São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996 |
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Pesquisador não sabe quando nasceu
ARMANDO ANTENORE
O professor nunca soube exatamente quando nasceu. O prontuário de número 60.820 que achou na Febem indica três datas. Silva o localizou enquanto colhia dados para a tese. O calhamaço de 56 páginas traz o histórico do que aconteceu com o pesquisador entre os 5 e 16 anos, período em que frequentou internatos públicos. O primeiro relato se refere às ocorrências de 18 de março de 1963, quando a mãe de Silva -Antonia Francisca- o abandonou com os irmãos. Deixou poucas informações sobre os filhos. Apontou apenas o dia em que cada um nasceu. O prontuário do pesquisador revela a data que lhe coube: 27 de dezembro de 1960. É o que a mãe disse, mas não o que atestaram os médicos. Em 1968, a Justiça obrigou Silva a passar por um exame de verificação da idade, necessário para a certidão de nascimento, tirada somente naquele ano. Examinaram-lhe os ossos e a arcada dentária. Concluíram, então, que o garoto nascera em 31 de agosto de 1957. "É a data que adoto e que está em todos os meus documentos", afirma o pesquisador. Uma das páginas do prontuário cita, ainda, o dia 31 de agosto de 1958. "Provavelmente, erraram ao copiar a data oficial." Silva diz que não acredita em nenhum dos três registros. "Na verdade, não sei quantos anos tenho e aprendi a conviver bem com a dúvida. Só complica quando leio o horóscopo. Parece que os 12 signos me servem", brinca. O pesquisador também desconfia da cidade que o Juizado de Menores lhe impingiu, em 1968, como terra natal -Garça, no interior de São Paulo. "Já estive lá. Parei nas praças, andei pelas ruas e não me emocionei. Acho que sou de outro lugar. Ninguém me explicou como a Justiça deduziu que nasci ali." Mesmo o nome "Roberto da Silva" já lhe soou mal. "Até uns meses atrás, falava para todo mundo que me chamava apenas Kalil." Adotou o "nome paralelo" na Casa de Detenção por simpatizar com "a causa árabe". Se hoje sabe pouco sobre a própria origem, houve um tempo em que não sabia nada. "Minhas lembranças da infância começam por volta de 1964." Mais precisamente, quando recebeu a visita de "uma negra grandalhona" num orfanato de Sorocaba, onde morou entre setembro de 1963 e novembro de 1969. "Silenciosa, se aproximou de mim e quis me abraçar. Senti medo, saí correndo e nunca mais a vi. Só depois me contaram que aquela mulher era minha mãe." Aos 15 anos, se encontrou novamente com o passado. Trabalhava como contínuo para o Juizado de Menores, no cartório do primeiro ofício. Fuçando os arquivos, deu com o processo 1866/63. "Era a ação judicial que tratava do meu abandono. Vasculhei os autos às escondidas e tive duas enormes surpresas: vi uma foto minha com cinco anos e descobri que possuía irmãos." Meses depois, Silva deixou o último internato (o Instituto Modelo de Menores). Prefere não dar detalhes do que viveu dali em diante. Conta apenas que morou nas ruas e acabou preso. Logo que saiu da Casa de Detenção, participou de movimentos pelos direitos dos detentos. Em 1985, entrou para a Igreja da Unificação, que tem por líder o reverendo Moon. Correu a Bahia e o Mato Grosso como missionário. Hoje, atua em grupos de prevenção à violência. Texto Anterior: O legado do abandono Próximo Texto: Ex-detento crê na 'máquina do crime' Índice |
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