São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
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Pesquisador não sabe quando nasceu

ARMANDO ANTENORE
DA REPORTAGEM LOCAL

Roberto da Silva diz que completará 40 anos no próximo dia 31 de agosto. Diz por hábito, mas não tem muita certeza.
O professor nunca soube exatamente quando nasceu. O prontuário de número 60.820 que achou na Febem indica três datas.
Silva o localizou enquanto colhia dados para a tese. O calhamaço de 56 páginas traz o histórico do que aconteceu com o pesquisador entre os 5 e 16 anos, período em que frequentou internatos públicos.
O primeiro relato se refere às ocorrências de 18 de março de 1963, quando a mãe de Silva -Antonia Francisca- o abandonou com os irmãos.
Deixou poucas informações sobre os filhos. Apontou apenas o dia em que cada um nasceu.
O prontuário do pesquisador revela a data que lhe coube: 27 de dezembro de 1960.
É o que a mãe disse, mas não o que atestaram os médicos. Em 1968, a Justiça obrigou Silva a passar por um exame de verificação da idade, necessário para a certidão de nascimento, tirada somente naquele ano.
Examinaram-lhe os ossos e a arcada dentária. Concluíram, então, que o garoto nascera em 31 de agosto de 1957.
"É a data que adoto e que está em todos os meus documentos", afirma o pesquisador.
Uma das páginas do prontuário cita, ainda, o dia 31 de agosto de 1958. "Provavelmente, erraram ao copiar a data oficial."
Silva diz que não acredita em nenhum dos três registros. "Na verdade, não sei quantos anos tenho e aprendi a conviver bem com a dúvida. Só complica quando leio o horóscopo. Parece que os 12 signos me servem", brinca.
O pesquisador também desconfia da cidade que o Juizado de Menores lhe impingiu, em 1968, como terra natal -Garça, no interior de São Paulo.
"Já estive lá. Parei nas praças, andei pelas ruas e não me emocionei. Acho que sou de outro lugar. Ninguém me explicou como a Justiça deduziu que nasci ali."
Mesmo o nome "Roberto da Silva" já lhe soou mal. "Até uns meses atrás, falava para todo mundo que me chamava apenas Kalil."
Adotou o "nome paralelo" na Casa de Detenção por simpatizar com "a causa árabe".
Se hoje sabe pouco sobre a própria origem, houve um tempo em que não sabia nada. "Minhas lembranças da infância começam por volta de 1964."
Mais precisamente, quando recebeu a visita de "uma negra grandalhona" num orfanato de Sorocaba, onde morou entre setembro de 1963 e novembro de 1969.
"Silenciosa, se aproximou de mim e quis me abraçar. Senti medo, saí correndo e nunca mais a vi. Só depois me contaram que aquela mulher era minha mãe."
Aos 15 anos, se encontrou novamente com o passado. Trabalhava como contínuo para o Juizado de Menores, no cartório do primeiro ofício. Fuçando os arquivos, deu com o processo 1866/63.
"Era a ação judicial que tratava do meu abandono. Vasculhei os autos às escondidas e tive duas enormes surpresas: vi uma foto minha com cinco anos e descobri que possuía irmãos."
Meses depois, Silva deixou o último internato (o Instituto Modelo de Menores).
Prefere não dar detalhes do que viveu dali em diante. Conta apenas que morou nas ruas e acabou preso. Logo que saiu da Casa de Detenção, participou de movimentos pelos direitos dos detentos.
Em 1985, entrou para a Igreja da Unificação, que tem por líder o reverendo Moon. Correu a Bahia e o Mato Grosso como missionário. Hoje, atua em grupos de prevenção à violência.

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