São Paulo, domingo, 3 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reflexões sobre a China

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Compromissos profissionais me levaram a Cingapura novamente. Foi uma viagem relâmpago. Mas os vôos longos me permitem pôr as leituras em dia.
O contato com a Ásia é sempre impactante. O continente possui cerca de 60% da população do mundo. E a grande maioria das nações está em franco desenvolvimento. Crescendo a mais de 10% ao ano, a China está se tornando um dos mais importantes jogadores da seleção mundial.
De US$ 5 bilhões em 1982, as exportações americanas para a China saltaram para quase US$ 20 bilhões em 1993 -e daí por diante não pararam de crescer. As três Chinas combinadas (China, Hong Kong e Taiwan) constituem o segundo maior pólo de vendas americanas realizadas na Ásia -depois do Japão.
Pelas tendências atuais, a economia da China ultrapassará a dos Estados Unidos por volta do ano 2010. Os investimentos nas áreas militar e de infra-estrutura são gigantescos. Ferrovias, rodovias, hidrovias, portos, telecomunicações -tudo cresce a uma velocidade meteórica.
Tais avanços fazem aumentar a interface entre a China e o resto do mundo. Essa interface, entretanto, preocupa os que temem "contaminar" o país com os valores do Ocidente. Os governantes reconhecem a necessidade do pragmatismo econômico, mas fazem questão de manter a chama da utopia da China.
Eles sabem que, ao se tornarem competidores internacionais e parceiros na comunidade da Organização Mundial do Comércio (OMC), os chineses enfrentarão disputas que exigirão muita paciência -que eles têm de sobra- e respeito mútuo -que está em fase de aprendizagem.
A China não contesta a necessidade de aperfeiçoar os direitos humanos para ser aceita no concerto das nações. Ao mesmo tempo, o país continua amarrado ao regionalismo, nacionalismo e ideologismo -convivendo com fortes disparidades de renda, com um desenvolvimento desequilibrado e com seriíssimos problemas ambientais e sociais, inclusive corrupção.
Tudo isso levanta dúvidas a respeito do futuro da China. Será que a nação está preparada para respeitar as regras da democracia? Será que ela está pronta para aceitar a participação dos agentes econômicos na vida política? Será que o país conseguirá ser grande e forte dentro da autocracia?
A Rússia decidiu democratizar para depois crescer. A China decidiu crescer para depois democratizar. Quem terá mais êxito?
Essas questões costumam atrair as mentes dos que gostam de especular. São temas relevantes, sem dúvida. Mas nós que precisamos crescer, exportar e gerar empregos não podemos nos deixar imobilizar pelo fascínio da especulação. A resposta para o sucesso ou fracasso chinês, provavelmente, só virá nos meados do próximo século.
Ao especularmos demais sobre o futuro do país perderemos as oportunidades do presente. Isso não pode acontecer porque a Ásia já é hoje uma realidade viva.

Texto Anterior: Os parentes de Sinatra
Próximo Texto: Uma campanha sem cara
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.