São Paulo, quarta-feira, 13 de novembro de 1996
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Economista defende novo modelo para Cuba

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

Sete anos depois da queda do Muro de Berlim, o fim simbólico do comunismo, Cuba, o único país comunista das Américas, está em busca de um modelo que parece uma combinação impossível.
Na essência, trata-se de ceder às leis de mercado sem renunciar às chamadas conquistas sociais de que tanto se orgulha a revolução que Fidel Castro comandou e que foi vitoriosa em 1959.
Um dos arautos dessa busca passou pelo Brasil na semana passada. Chama-se Julio Carranza Valdés, tem 38 anos e é professor-investigador do Centro de Estudos da Economia Cubana da Universidade de Havana, a capital da ilha.
Em 1995, Carranza e dois colegas publicaram o livro "Cuba, a Reestruturação da Economia - Uma Proposta para o Debate".
Ele discute, na essência, como chegar ao novo modelo, que Carranza, em entrevista à Folha, admite ser muito difícil de atingir.
"Não existe uma fórmula, um modelo claro e historicamente provado que atenda aos dois objetivos: recuperar a eficiência econômica e também manter as principais conquistas sociais da revolução", disse o economista cubano, que recebeu a Folha na manhã da última segunda-feira.
Os trechos principais da entrevista são os que se seguem:
*
Folha - A economia cubana, neste ano, mantém o ritmo de recuperação esboçado no ano anterior?
Julio Carranza Valdés - Cuba teve quatro anos de retrocesso econômico muito forte. De 90 a 93, a economia retrocedeu cerca de 35%. Depois, começou uma recuperação, ainda não suficiente, mas que marca a reversão da tendência de queda. Em 94, cresceu 0,7%; em 95, 2,5%, e, no primeiro semestre deste ano, cresceu 9,3%. Espera-se que, neste ano, termine com aproximadamente 5% de crescimento.
Folha - A recuperação se deve às medidas "capitalistas" adotadas, é recuperação natural pela queda brutal que houve antes, ou há algum outro fator?
Carranza - São vários fatores. O primeiro é que, efetivamente, a economia vem de níveis muito baixos, e a primeira fase da recuperação tem a ver, em grande medida, com voltar a pôr em marcha uma capacidade instalada que, durante a crise, teve de ser detida.
Segundo, adotou-se um conjunto de medidas que, embora ainda incompletas e insuficientes, deram novo dinamismo à economia.
Em terceiro lugar, e isto foi importante, porque o país conseguiu uma nova inserção no mundo.
Até 90, 86% de todo o comércio de Cuba era com os países socialistas da Europa e, desse total, cerca de 70% com a União Soviética, país que já não existe.
Cuba havia ficado totalmente desligada da dinâmica dos circuitos internacionais de comércio, investimento e finanças.
Aos poucos, foi se reinserindo no mundo. Essa reinserção teve basicamente duas dimensões: a comercial, ou seja, Cuba tem hoje um comércio muito mais diversificado, e a do investimento.
Houve mudanças econômicas muito importantes em Cuba. Há um processo de abertura ao investimento estrangeiro, que foi chegando em grande quantidade e aportou recursos, tecnologia e mercados para vários setores, o que permitiu a recuperação.
Folha - Mas esses investimentos se manterão caso a situação institucional não seja modificada?
Carranza - Creio que os capitais estão chegando porque consideram que investir em Cuba é bom negócio. São recursos hoje fundamentais para o futuro de Cuba.
O governo não tem alternativa a não ser aceitá-lo e estimulá-lo. Por isso, foram feitas transformações legais para lhe dar toda a proteção necessária a médio e longo prazo.
A própria Constituição foi reformada, dando nova guarida a esse tipo de propriedade. Aprovou-se uma lei de investimentos, e foram assinados acordos de proteção mútua com muitos países.
A isso, somam-se as condições oferecidas, que são competitivas no plano internacional.
A respeito das mudanças econômicas, é preciso ter em conta que elas procuram, de uma parte, recuperar a eficiência econômica, sustentar o crescimento, e de outra parte, manter as principais conquistas sociais da revolução e, portanto, manter certos equilíbrios sociais fundamentais para Cuba.
Como conseguir isso, é complexo. Não há uma fórmula, um modelo claro e historicamente provado que atenda aos dois objetivos.
Folha - Segundo o presidente Fidel Castro, apesar de toda a crise, nenhuma das instalações sociais (creches, hospitais) foi fechada. É verdade ou mera retórica?
Carranza - É absolutamente certo. Não foi fechado um só hospital, uma só escola ou asilo, não foi retirada a proteção social a cidadão algum. Essa é uma das razões para explicar que, apesar de ter atravessado uma crise muito profunda, que afetou o consumo de forma notável, o governo conseguiu manter o consenso político.
O governo impediu uma expressão política da crise econômica porque os cidadãos, apesar de passarem necessidades, sentem que estão protegidos.
E é preciso ter em conta que Cuba está em uma situação geopolítica muito comprometida.
Está em uma área historicamente de pretensão hegemônica dos EUA. Se for cometido um erro que implique uma desestabilização do país, corre-se o risco de ser objeto de maiores pressões dos EUA.
Ao contrário de outros países que tiveram a possibilidade de equivocar-se, retificar e começar de novo, um erro em Cuba seria muito complicado, inclusive para a segurança nacional.
Folha - Em termos estritamente acadêmicos, analisar a economia de um país sendo de alguma maneira proibido utilizar parâmetros capitalistas não é demasiado complicado hoje em dia?
Carranza - O capitalismo em Cuba trouxe muito mais problemas do que êxitos. Cuba não desconheceu o capitalismo, mas teve uma experiência de 60 anos que impediu um projeto com soberania nacional e justiça social. O socialismo, embora não tenha resolvido todos os problemas, conseguiu que o projeto avançasse.
Por isso, há resistência a renunciar ao socialismo como opção.
É muito pouco profundo pensar que o socialismo se limita exclusivamente às experiências históricas, sem imaginar que há outras opções com um maior espaço para o mercado, uma diversificação da forma de propriedade, uma maior descentralização, uma maior diversidade, que constituiriam uma sociedade mais dinâmica.
Folha - O regime de partido único é compatível com uma economia mais diversificada?
Carranza - O partido único em Cuba não tem as mesmas características que em outro país.
O partido em Cuba não é eleitoral, não é um partido que propõe candidatos. É um partido que tem a intenção de conduzir politicamente o projeto nacional.
Quando um partido é único não pode ser eleitoral porque então não permitiria que as demais pessoas compitam politicamente.
O partido em Cuba converteu-se em instrumento importante para resistir à agressão dos EUA e se transformou em um sistema que tem o consenso das pessoas. Por essa razão se manteve.
Os fatores que conduziram ao partido único não desapareceram, e o partido único continua sendo algo com consenso e uma necessidade histórica. Mas o sistema político deve ser suficientemente diversificado para representar o conjunto de interesses da sociedade, e nele devem ter lugar os novos setores: trabalho por conta própria, cooperativista.
Folha - Desde a queda do Muro de Berlim, em 1989, mudaram os textos a partir dos quais a economia é estudada em Cuba?
Carranza - A carreira de economia, depois da desaparição do campo socialista, sofreu modificações. Antes, ensinava-se uma economia que respondia às características das centralmente planejadas, com a experiência de planejamento que haviam vivido sobretudo os países da Europa Oriental.
Foram necessários então profissionais qualificados que entendam as leis que regem a economia da qual Cuba tem de se aproximar, a capitalista mundial.
Agora, nas faculdades de economia, junto com matérias próprias das necessidades cubanas, são dados cursos de macroeconomia e microeconomia com autores como Dornbusch (Rudiger Dornbusch, economista liberal do Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e outros textos que são estudados também em universidades de outros países ocidentais.

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