São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 1996
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O PAS e a ética

WALTER FELDMAN

Quanto mais informações a sociedade civil detém, mais ela se torna consciente de sua força e passa a controlar melhor a ação do Estado. Caminhando nessa direção, uma fria estatística sobre pacientes portadores de meningite meningocócica nos remeterá a algumas considerações. Trata-se da taxa de letalidade (número de pessoas que morrem em decorrência de uma doença adquirida) em hospitais públicos.
No período de janeiro a julho deste ano, foram internadas 353 pessoas com meningite meningocócica nos hospitais estaduais da Grande São Paulo, incluindo o Emílio Ribas, maior centro de referência de moléstias infecto-contagiosas do Brasil, para onde acorrem os pacientes mais graves. Morreram 43 pessoas, representando uma letalidade de 12,18%. No mesmo período, foram internadas 63 pessoas em hospitais do PAS na capital. Dessas, morreram 14, o que significa uma letalidade de 22,22%, quase o dobro dos hospitais estaduais.
O sucesso no tratamento da meningite meningocócica depende basicamente de dois fatores: rapidez no diagnóstico e terapêutica. Observa-se, então, que o grau de satisfação da população com o PAS não traduz necessariamente sua resolutividade, estando longe do apregoado pelo marketing. Aliás, essa é a grande diferença entre as mercadorias iogurte e saúde.
Para a montagem do PAS no final da gestão Maluf, sem questionar a intenção dos administradores, os serviços municipais de saúde foram primeiro degradados e substituídos, em seguida, pelo novo modelo administrativo. Esta é a verdade. Trata-se de uma prática bastante antiga, usada em regimes não-democráticos, sob o falso argumento de melhor atender o interesse público.
Não se trata aqui de opor resistência ao novo. Nenhuma autoridade sanitária no país, contudo, defende o PAS. Com mecanismos de recrutamento humano discutíveis, a Secretaria Municipal da Saúde, ao buscar profissionais no mercado, teve menos 50% de adesão. Hoje, cerca de 20 mil servidores municipais, pagos mensalmente com o dinheiro do contribuinte, foram retirados de sua atividade. São médicos especialistas assinando o ponto em escolas, enfermeiros em bibliotecas municipais etc.
Vamos expor agora alguns números que desmentem o marketing do PAS. Eles podem ser encontrados na página da Internet da própria Secretaria Municipal da Saúde e mostram que, paulatinamente, a rede foi deixando de oferecer serviços à população:
- O atendimento de urgência/emergência em 1992 dava cobertura a 4.932.000 pessoas. Caiu para 4.300.000 em 1993 e para 3.350.000 em 94, fase de pré-implantação do novo modelo.
- O número de leitos hospitalares da rede municipal caiu de 1.956, em 92, para 1.795, em 94.
- Em 1992 foram vacinados pouco menos de 2.600.000 crianças no município. Em 1994, esse número caiu para 2.071.000.
Como se vê, quem está cobrindo as deficiências do PAS são os hospitais públicos, que ficam com a responsabilidade das doenças mais graves, de alto custo e que requerem recursos humanos mais especializados. Ao PAS cabe o atendimento primário -de baixo custo e lucrativo. Os resultados da tentativa de substituir o SUS pelo PAS trouxeram novamente a saúde para as páginas policiais dos jornais.

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