São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 1996
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Incerteza é o centro de Dom Casmurro

FRANCISCO ACHCAR
ESPECIAL PARA FOLHA

Em Dom Casmurro (1900), de Machado de Assis, um velho escreve um livro para contar sua vida e, assim, tentar recuperar, de alguma maneira, o passado perdido -perdido não só porque passou, mas por ele achar que o perdeu ao vivê-lo, enganou-se, não entendeu bem o que se passava.
Sua tentativa é de, como ele diz, "atar as duas pontas da vida" e ver se consegue, agora que é o Dr. Bento Santiago, apelidado de Dom Casmurro, reencontrar o Bentinho que namorou Capitu, casou com ela, separou-se dela sob suspeita de adultério com seu melhor amigo e se afastou do filho que acreditava não ser seu.
Portanto, o livro que lemos é-nos apresentado como a obra com que o narrador, depois de muitos anos, vivendo solitário e em parte retirado, tenta recompor a figura incerta de sua vida frustrada.
Trata-se de um dos maiores livros escritos em nossa língua, um dos grandes romances do século 19 mesmo fora de nossa língua. Ele pode ser lido em vários planos: há o plano da história, intrigante porque não é conclusivo quanto ao seu nó central (Capitu traiu ou não Bentinho?); há o plano da análise das personagens e das relações sociais representadas, onde Machado revela sua penetração extraordinária, psicológica e sociológica, sempre destilando seu veneno discreto; há também o plano mais profundo da própria estrutura fundamental da narrativa, onde o centro não é o adultério ou qualquer evento particular da história, mas a incerteza -a incerteza da vida e a incerteza do livro.

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