São Paulo, quinta-feira, 14 de novembro de 1996
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Ziraldo descrê de 'protecionismo clássico'

PATRICIA DECIA
DA REPORTAGEM LOCAL

O cartunista Ziraldo Alves Pinto criticou anteontem o uso de medidas de protecionismo "clássicas" do mercado fonográfico nacional, como a criação de um imposto para os fonogramas estrangeiros que entram no país.
"Não sei dizer imediatamente qual é a solução, mas esse protecionismo clássico não vai funcionar", afirmou.
O imposto é uma das propostas que constam de documento preparado pela comissão instituída pelo Ministério da Cultura com o objetivo de elaborar a "Lei da Música".
Presidente da Funarte (Fundação Nacional das Artes) durante parte do governo José Sarney, Ziraldo, 64, foi o criador do projeto conhecido como política da "broa de milho".
Na época, sua proposta para a cultura nacional priorizava, entre outras coisas, as bandinhas musicais de cidades do interior e a criação de uma escola superior de música popular em Juiz de Fora (Minas Gerais).
O projeto, divulgado em agosto de 85, foi duramente criticado por intelectuais e políticos e provocou uma crise interna na Funarte, pois denunciava a "ociosidade" de funcionários do órgão.
Segundo ele, sua experiência no governo contribuiu para a mudança de opinião. "A administração pública tem que controlar e orientar as manifestações culturais que surgem. O poder não pode criar nada em termos de cultura. Tem sim que ficar atento, de olhos abertos, para saber onde pode interferir para aumentar espaços. Isso aprendi depois que levei um monte de cacetadas na Funarte", disse.
Hoje, apesar de continuar defendendo que se faça algo para preservar as "manifestações culturais autênticas", Ziraldo diz que as coisas mudaram."Naquela época, o mundo era outro. Não tinha Internet, globalização ou neoliberalismo", afirmou.
Menino Maluquinho
O cartunista, criador de personagens como o "Menino Maluquinho" e a "Supermãe", aposta que há uma maneira de abrir espaços à produção nacional, sem interferir com o funcionamento do mercado.
"O problema do protecionismo é que ele é muito complicado. Há uma nova ordem econômica internacional que não aceita isso. É possível criar outros caminhos, criar condições para que o produto brasileiro possa competir com o produto internacional", afirmou.
Ziraldo diz ser simpático, por exemplo, a medidas como a que oferece dedução de parte do Imposto de Renda para rádios que reservarem uma porcentagem da programação à música nacional. Ele acha inviável, porém, que se estabeleça quais tipos de música seriam beneficiários de tal incentivo.
"Preocupar-se em preservar a cultura brasileira faz sentido, mas é um assunto que deve ser objeto de estudo, de muito trabalho. A discussão começa pelo conceito do que é música brasileira. Quem pode dizer que o rock feito no Brasil não é música brasileira?", disse.
Como ex-presidente da Funarte, Ziraldo ainda critica a formação de uma comissão para discutir a política cultural para a música.
"Essa coisa de criar comissão produz mais polêmica do que resultado. É preciso de providências simples. Quando você não quer resolver uma questão, é só criar uma comissão", afirmou.

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