São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 1996
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'No Alvo' reflete pessimismo de Bernhard

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

"Sabe o que é um pessimista? Um homem que julga os demais tão sórdidos como ele próprio e por isso os detesta."
O aforismo cruel de Bernard Shaw ecoa na memória sempre, ou quase sempre, que o crítico vê a montagem de um dramaturgo da segunda metade do século, de Heiner Mueller ao holandês Thomas Bernhard (1931-1989).
O segundo está em cartaz com "No Alvo", com uma das grandes atrizes da geração imediatamente anterior, Maria Alice Vergueiro, do primeiro Ornitorrinco, e atores da geração presente, como Agnes Zuliani e João Carlos Andreazza.
É em Maria Alice, a mãe torturadora, que o pessimismo do autor se expressa melhor. Quase enlouquecida, cabelos ao final desgrenhados, desvario genial.
É a mulher que abre a peça a dizer "odiamos o teatro" e relata sua vida da infância miserável ao casamento, por dinheiro e segurança, com o dono de uma fundição. Tem humor em seu pessimismo Thomas Bernhard. Mas está sempre a dizer, desesperançado: "Todos entram em cena e já estão condenados à morte", sem um rasgo de fé. Ou para a filha, na voz de Maria Alice, em sua interpretação de diva: "Enquanto eu torturo você, eu mesma me deformo".
Sob o tiroteio de palavras e descrença, o personagem de Agnes Zuliani, a filha, esboça reações, esforça-se em romantismo infantil, mas não tem forças para deixar a mãe; como na beckettiana "Fim de Jogo", escrita duas décadas antes de "No Alvo", que é de 81, é escrava da própria miséria -ou do derrotismo do autor.
Agnes, se não chega ao brilho da anterior "Boa-Noite, Mãe", é agora quem deixa vazar esperança pelos cantos da peça. Esperança expressa nas pernas esguias que ameaçam sensualidade e se escondem, diante da mãe.
Entre os dois personagens surge o jovem escritor, que catalisa o romantismo e a esperança da filha. Mas ele próprio se deixa levar: "Sempre só existiram escritores fracassados... também Shakespeare" -o que é verdade só para os pessimistas de Shaw.
É na voz que está o retrato do jovem escritor, possante, forte, mas que se deixa abater e diz: "Só repetimos o que já existe".
E a mãe a rir, com aforismos cruéis, mas de sinal contrário aos de Shaw, sobre o escritor, sobre a filha. "Sem dizer nada, como se tivesse perdido a língua: os jovens de hoje", ou "nunca houve uma juventude mais fraca".
A peça confronta abertamente, ainda que só em parte, a geração revolucionária dos anos 60, da juventude literária do próprio Bernhard, com aquela dos anos 70 e 80, anterior ao muro.
É um grande texto, com muitas chaves para a emoção e o raciocínio, como em outras peças daquele momento, na dramaturgia alemã, como "Merlim", de Trankred Dorst. Estranho deixarem todos a impressão de lutar contra o presente, hoje, em favor do passado.

Peça: No Alvo
Quando: sex e sáb, às 21h, e dom, às 19h
Onde: Capela do Instituto Goethe (r. Lisboa, 974, tel. 011/280-4288)
Quanto: R$ 15

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