São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 1996 |
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Reportagem vira ficção
JOSÉ GERALDO COUTO
Ganhador do Prêmio Nobel e um dos escritores mais influentes de seu tempo, García Márquez muniu-se de humildade e paciência jornalística para ouvir os depoimentos de dezenas de pessoas envolvidas no drama dos sequestros ocorridos na Colômbia em 1990. Juntou um material extenso e minucioso sobre personagens e situações e depois partiu para o principal: organizar esse mar de informações numa narrativa ao mesmo tempo coerente, fidedigna e emocionante. Em "Relato de um Náufrago", aparentemente não há mentira ou invenção em "Notícia de um Sequestro" (títulos, aliás, semelhantes em sua discrição e objetividade). Fantástica é a realidade descrita. Nada mais falso, entretanto, que acreditar que o real forneceu "pronto" o relato do livro. Quem já tentou escrever uma grande reportagem sabe quantas questões têm de ser resolvidas no longo caminho entre os dados brutos e o texto final. Que informações escolher? Por onde começar? Que ponto de vista adotar? Que ritmo? Que voz narrativa? Que revelações deixar para o fim? Onde tratar do contexto geral? Quando o repórter consegue compor uma história coerente e com sentido, mesmo que desprovida de brilho ou dramaticidade, já pode se considerar um vitorioso. Mas o caso de García Márquez é bem outro. Ele coloca em ação seus dons de ficcionista para construir um texto robusto do ponto de vista da informação e vibrante do ponto de vista da narração. Ao mesmo tempo que não perde de vista o contexto político e social em que os sequestros estão inseridos, o texto mergulha nos detalhes que revelam o drama íntimo de cada personagem, a tragicomédia de cada cena. Desde a primeira página, que narra os minutos que antecedem o sequestro de Maruja Pachón, o leitor é envolvido num fluxo ininterrupto de suspense e informação. García Márquez sabe que a "realidade" é sempre uma construção. Uma reportagem nunca mostra "a" verdade, e sim, "uma" verdade construída a partir de dados objetivos, mas que só ganhará sentido quando organizada segundo um ponto de vista (por mais disfarçado que este esteja). Os limites entre ficção e jornalismo são, muitas vezes, tênues. Com "Notícia de um Sequestro", García Márquez esgarça ainda mais esses limites. Embora se colocando "a serviço" do jornalismo, o que ele faz é chamar a atenção para a importância das técnicas literárias. Ao fazer jornalismo, exalta a literatura. (JGC) Livro: Notícia de um Sequestro Autor: Gabriel García Márquez Tradutor: Eric Nepomuceno Quanto: R$ 25 (320 págs.) Texto Anterior: García Márquez lança seu livro-bomba Próximo Texto: Premiado Victor Martinez rejeita rótulo de "chicano" Índice |
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