São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 1996
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Premiado Victor Martinez rejeita rótulo de "chicano"

ADRIANE GRAU
FREE-LANCE PARA A FOLHA, EM SAN FRANCISCO

Até a semana passada o escritor Victor Martinez contava entre suas conquistas literárias apenas menções honrosas e o discutível recorde em número de livros lidos na escola.
Na quarta-feira da semana passada, ele deixou o auditório do Waldorf Astoria de Nova York com um sorriso no rosto, US$ 10 mil no bolso e um National Book Award inscrito ao lado de seu nome no troféu de cristal que carregava.
O prêmio é um dos mais prestigiosos do país. Criado há 46 anos pela National Book Foundation, visa colocar os escritores em contato direto com o público.
Durante o ano, os premiados participam de palestras, workshops e encontros comunitários em que discutem suas experiências.
Neste ano, o tema comum nas categorias ficção, poesia, não-ficção e na estreante literatura para jovens -abocanhada por Martinez- eram as relações familiares.
Seu nome causou surpresa pelo fato dele ser "chicano" (descendente de mexicanos) e ter escrito um livro que explora o mínimo de uma típica família como a em que ele nasceu e cresceu em Fresno (cidade da zona agrícola da Califórnia), ao lado de 12 irmãos.
"Ser 'chicano' significa trabalhar por muito pouco dinheiro durante toda sua vida", justifica Martinez. "Eu mesmo fui treinado para ser ferreiro e já trabalhei em fazendas, dirigi caminhão e fui funcionário público."
O premiado "Parrot in the Oven - Mi Vida" é o primeiro romance escrito por Martinez, 42. Há dez anos ele deixou para trás o emprego em que era encarregado de anotar os horários de entrada e saída de funcionários numa agência governamental para escrever.
"Fiz logo de cara um poema sobre o livro de ponto", relembra. Ele continuou escrevendo poesias até que cansou de ser sustentado pela mulher e resolveu tentar uma obra de ficção.
"Sou um homem latino, e é duro não estar apto a sustentar ninguém, não ser o líder em casa", lembra ele. "Por melhor que sejam meus poemas, a cada vez que termino um, penso que ninguém vai ler", completa. "Acho que daqui para a frente vai ser diferente."
O sucesso chegou após a eliminação da Lei Affirmative Action, na Califórnia. Ela havia sido criada nos anos 60 e determinava reserva de vagas para mulheres e homens latinos, negros e asiáticos nas universidades e empregos públicos.
"Só fiz faculdade por causa de um programa chamado 'oportunidades iguais'", revela. "Foi em Stanford que os professores começaram a me aconselhar a escrever.
Segundo Martinez, ele se sente um escritor americano e não "chicano". "Tento evitar ao máximo escrever sobre assuntos hispânicos, pois me limita muito", diz ele. "Não gosto da literatura 'chicana' que mistura espanhol e inglês, pois alguns leitores nem conseguem entender nada."
Mesmo assim, em "Parrot", ele fez questão de mostrar as dificuldades e problemas de uma típica família latina. "A literatura 'chicana' está sempre mostrando o que há de bom em ser descendente de mexicano", aponta ele.
"Mas há 60% de evasão escolar em pessoas da raça e há as gangues, também. Não temos perspectiva de nos tornarmos advogados ou médicos e não nos sentimos parte do país, mesmo sendo um detalhe tão importante."
Mas Martinez não nega que ele e alguns de seus irmãos se tornaram bem-sucedidos. Entre os Martinez há uma médica, um engenheiro, uma professora, um investigador particular. Os outros se viram com subempregos.
"Sei que não vou ganhar dinheiro só por ser famoso, mas sim pelo trabalho que farei daqui para a frente", diz Martinez. "A editora fica com a maior parte dos lucros, mas também tomou o maior risco".
Feliz com o cheque que receberá mensalmente pelo correio por conta de direito autoral, ele e a mulher já têm planos para começar a gastar o dinheiro do prêmio.
"Vamos ao México, em férias", afirma ele. "A última vez que estive lá foi há 12 anos."

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