São Paulo, sexta-feira, 15 de novembro de 1996
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Caminhos para o futuro

CELSO PITTA

O historiador Eric Hobsbawm considera o século 20 o mais curto de todos, com início em 1914, na Grande Guerra, e fim em 1991, data do desmoronamento da União Soviética. Para os prefeitos brasileiros que vão assumir as administrações municipais no dia 1º de janeiro, esse conceito tem valor relativo.
O fim da dicotomia ideológica comunismo versus capitalismo é, inegavelmente, um marco. Ninguém mais está obrigado a uma opção política predeterminada ou a abraçar uma das vertentes por mero desconforto em outra. É possível encarar os problemas econômicos e sociais sem preconceitos, avaliar propostas pelo seu conteúdo, independentemente da origem política de quem as formulou.
O ponto de encontro desses novos prefeitos que estarão no poder no início do século 21 é a Agenda 21 Local, fruto da Eco-92, a cúpula da Terra que se reuniu no Rio. Trata-se de combinar desenvolvimento econômico, proteção ao meio ambiente e justiça social. É uma equação de difícil solução e, por isso mesmo, impõe-se o desafio de enfrentá-la.
Em São Paulo, os dados dessa equação são de assustar. O principal rio que corta a cidade, o Tietê, longe de servir de referência para o lazer, é perene fonte de aborrecimentos. Quase 20% das famílias vivem em favelas e cortiços. O centro da cidade, salvo algumas ilhas, está em decadência acentuada. O paulistano sente-se permanentemente inseguro, na rua e em sua própria casa. Não bastasse tudo isso, ainda existe a poluição do ar em grau elevadíssimo.
A origem desses problemas é conhecida. A dinâmica social atropelou os planejadores. A cidade cresceu por conta própria de maneira desordenada, criando novos problemas à medida que não resolvia os antigos. Recente pesquisa de opinião mostrou um grande sentimento de desencanto com a cidade. Boa parcela dos paulistanos manifestou desejo de mudar de cidade, se tivesse condições. Chegou-se ao impasse. Vislumbro a saída na Agenda 21, subscrita pelo prefeito Paulo Maluf em junho de 1994, no Fórum Global, realizado em Manchester, Inglaterra.
A Agenda 21 Local é muito abrangente, trata da ocupação do solo às formas de financiamento dos programas, da colaboração entre as diversas esferas do poder público e sua articulação com a sociedade. Mas tem o mérito de não constituir um receituário rígido, panacéia aplicável a todas as cidades, seja São Paulo, no Brasil, ou Luanda, em Angola. Seu grande mérito consiste em identificar os problemas e oferecer um conjunto de recomendações que primem pelo bom senso.
Não cabe, neste generoso espaço que a Folha me oferece, pretender discuti-la por inteiro. Um tópico, a meu ver essencial, merece destaque aqui, porque objeto de debate na sociedade brasileira e obrigatório em São Paulo: o de moradia e emprego.
Uma das ações propostas é o "incentivo à localização de emprego em regiões de alta concentração de moradias e a ampliação da oferta de moradia em regiões com predominância de atividades econômicas". Combina perfeitamente com outra, a de "controlar o processo de expansão horizontal, incentivando o adensamento da área já urbanizada". Nada mais racional.
A zona leste, com 3 milhões de pessoas, poucos empregos oferece. Seus moradores trabalham na vizinha Guarulhos, no ABC e em outras regiões da cidade. Já o centro, bem-dotado em matéria de infra-estrutura, embora concentre muitas atividades econômicas, aos poucos ficou desabitado. Projeto de adensamento do centro, proposto na administração Jânio Quadros, embora merecesse aprovação de empresários da área imobiliária, foi muito combatido com o argumento de que destruiria o patrimônio histórico.
A cidade moderna permite a coabitação entre o passado e o presente, a justaposição de criações do gênio humano em diferentes épocas. O projeto de adensamento do centro, passados oito anos, deve voltar à discussão. No caso da zona leste, os obstáculos legais à localização de indústrias foram removidos. O mais importante já existe, as condições materiais, a partir da construção da Nova Trabalhadores, a estrada urbana que rompeu o isolamento da zona leste.
A prefeitura, no caso, está fazendo o dever de casa, disposta a continuar e a estender essa ação política a toda a cidade. Os problemas de saúde, moradia, trabalho, transporte, saneamento ambiental e segurança estão interligados. Precisam ser encarados conjuntamente, sem que se desprezem suas peculiaridades. A participação do cidadão na formulação das soluções é importante. Encontrar meios de tornar rotineira e eficaz essa participação deve ser preocupação permanente dos prefeitos. É por isso que valorizo o compromisso da Prefeitura de São Paulo com a Agenda 21. E faço-o meu.

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