São Paulo, sábado, 16 de novembro de 1996
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Aquisição da propriedade por presunção

"Propriedade se adquire por ato de vontade expressa"

ANTONIO SILVEIRA R. DOS SANTOS

A lei 9.278 de 13/05/96, que dispõe sobre o reconhecimento de entidade familiar (lei do concubinato), tem gerado controvérsias nos meios jurídicos, tanto que o Instituto dos Advogados de São Paulo pugna pela inconstitucionalidade de vários de seus dispositivos, entre eles o que dispõe sobre bens.
O artigo 5º da citada lei diz que "os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes na constância da união estável e a título oneroso são considerados fruto do trabalho e colaboração mútua, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito"; e no seu parágrafo 1º, que a presunção do "caput" cessa se os bens forem adquiridos anteriormente ao início da união.
Estamos frente a uma estranha forma de aquisição de propriedade por presunção, o que está em desacordo com o nosso sistema jurídico, o qual pressupõe um ato de vontade expresso do adquirente para adquirir um bem, não podendo ser considerado esse ato o fato de as pessoas viverem juntas.
Não se pode confundir o regime de comunhão parcial previsto no artigo 269 do Código Civil com a situação existente na lei em questão, uma vez que os nubentes, quando se casam naquele regime de bens, aceitam a partilha dos que forem adquiridos posteriormente, não se tratando aí de uma presunção, mas de uma adesão a um contrato de caráter público, ou seja, um ato de vontade, o que não ocorre com a nova lei, que presume a contribuição independentemente da vontade das partes envolvidas.
Segundo o artigo 530 do Código Civil, a propriedade imóvel é adquirida: pela transcrição do título de transferência no registro de imóveis, pela acessão; pelo usucapião e pelo direito hereditário, sendo essas as formas de aquisição contempladas em nosso direito para os bens imóveis.
Assim, a propriedade só se adquire por ato de vontade expressa do interessado, excetuando-se o caso de herança (aquisição "causa mortis"), onde independe de vontade.
A nossa estrutura jurídica civil exige a vontade para ser proprietário, o que tem sido aplicado em todas as questões relativas à aquisição de imóveis e de outras relações jurídicas que impliquem a comprovação da propriedade por meio do título registrado, demonstrando a importância do seu ato constitutivo. Mas, pela nova forma da lei 9.278/96, basta a presunção para que uma pessoa que conviva com outra passe a ser "dona da metade dos bens" adquiridos na constância da união estável, o que conflita, como dito, com as regras do direito de propriedade, lembrando ainda que a Constituição Federal, em seu artigo 5º, 22, garante o direito de propriedade; vale dizer que a propriedade não pode ser perdida pro presunção.
Assim, também nos parece inconstitucional o dispositivo 5º da referida lei, o qual deve ser revisto pelo legislador, adequando-o aos parâmetros de nossa tradição jurídica.

Antonio Silveira Ribeiro dos Santos, 45, é juiz de direito da 3ª Vara Cível de Diadema (SP).

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