São Paulo, sábado, 16 de novembro de 1996
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Dívidas dos Estados

WALTER CENEVIVA

O texto da Constituição de 1969, mesclado com a inflação galopante do final dos anos 70, criou um monstrengo cruel e indecente, vitimando os credores do Poder Público.
Considerando que os débitos impostos por condenações judiciais, atualizados até 1º de julho, eram pagos durante o ano seguinte, pelo seu valor nominal, este correspondia, quando quitado, a algo como 3% a 5% da dívida, dizimada pela desvalorização da moeda.
Com isso era necessário a expedição de novo precatório (precatório é o nome da requisição de pagamento feita pelo Poder Judiciário ao órgão público em débito), submetido ao mesmo critério de atualização em julho e quitação no exercício posterior, pelo valor nominal, enquanto a inflação corria solta. O credor levava anos e anos para receber o que era seu, repetindo a mesma operação a cada exercício que se passava.
Ao mesmo tempo, a vontade dos titulares dos Executivos estaduais e municipais, querendo tirar as vantagens políticas da realização de obras (úteis ou inúteis, não importa), estimulou as desapropriações em massa.
Estas começavam com depósito de quantias mínimas e detonavam luta processual dos expropriantes para protelar ao máximo os pagamentos.
O critério pernicioso, consagrado na Constituição de 1969, era agravado pela ciranda financeira, com aplicação dos recursos públicos no mercado, enquanto os desconsolados credores ficavam a ver navios.
O constituinte de 1988 agravou mais ainda a situação dos antigos credores.
Dispôs que o valor dos precatórios não pagos até 5/10/88 poderia ser parcelado em oito prestações anuais, a partir de julho de 89. As prestações seriam sempre atualizadas, providência com a qual se esperava pôr fim ao calote oficial.
Mas, o parcelamento não valia para os precatórios posteriores à Constituição atual.
O constituinte supôs, ingenuamente, que haveria, por parte dos Executivos estaduais e municipais um cuidado maior na assunção de novas dívidas.
A suposição se mostrou erradíssima. Só no Estado de São Paulo os precatórios novos oscilam entre 5 a 10.000.
Assim se vê que as queixas de governadores e prefeitos quanto às liminares concedidas ou às decisões condenatórias expedidas pelo Judiciário não procedem, conforme esclareceu o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Sepúlveda Pertence.
Eles querem ter dinheiro para novas obras -eventualmente, de utilidade para o povo-, mas não querem pagar o que devem, mas sim deixar os débitos antigos e os acrescidos para seus sucessores. Repetem o círculo vicioso.
Todavia, o STF passou a negar juros no parcelamento de oito anos, ofendendo a regra clássica de que o acessório (os juros) segue o principal (o débito em aberto). O STF tem o papel de guardião dos princípios constantes da Carta de 1988. Como escreveu recentemente o ministro Marco Aurélio, depois de dura crítica ao calote oficial, os juízes do STF sabem que a história é cobradora infatigável. Ao beneficiar os caloteiros, excluindo a cobrança de juros, a Corte Suprema não lembrou a história. Será cobrada por isso.
Ontem, o Dia da Proclamação da República aconselhou o repensar da vida do país desde 1889. Corrigimos o encilhamento, entramos no estado de sítio e saídos dele, eliminamos os regimes de força, afundamos na inflação, mas a extinguimos. Agora falta acabar com o calote público. Com juros.

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