São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Pitta não era o candidato de Maluf, e Duda ameaçou abandonar campanha

JOSIAS DE SOUZA
Secretário de Redação
KENNEDY ALENCAR

JOSIAS DE SOUZA; KENNEDY ALENCAR
EDITOR DO PAINEL

Folha revela, em oito capítulos, os segredos da vitoriosa campanha do PPB na cidade de São Paulo

Celso Pitta não era o candidato do coração de Paulo Maluf. Duda Mendonça ameaçou demitir-se da campanha. Calim Eid trombou com a mulher de Pitta. Na casa de Maluf, o candidato do PMDB tomou vinho e falou de dinheiro. Vereadores do PFL ganharam até carro para fazer campanha.
Os bastidores da vitoriosa campanha do PPB estão permeados de intriga, mistério e disputa de poder. Ao tornar-se a maior surpresa da eleição de 96, Pitta tonificou os planos presidenciais de Maluf. Um sonho que esteve presente até na comemoração dos 65 anos do prefeito.
Em represália aos ataques de Sérgio Motta, Maluf negou-se a aparecer em público ao lado de FHC. Em telefonema ao presidente, explicou: "O sr. é um sedutor. Se eu fosse mulher, não resistiria a seus encantos. Mas não quero encontrar alguns amigos seus que andam me maltratando".
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1. MISTÉRIO
Há nos subterrâneos da campanha paulistana um episódio nebuloso. Dia 25 de agosto, um domingo. A guerra pelo voto seguia renhida. Maluf encontrou-se com José Aristodemo Pinotti, candidato do PMDB à prefeitura. A conversa teve uma testemunha e duas versões.
A testemunha: Edevaldo Alves da Silva, secretário de Governo da gestão Maluf.
A versão do PMDB: Edevaldo convidou Pinotti para o encontro. Maluf recebeu-o em sua casa, no Jardim Europa. Ofereceu-lhe bom vinho: Château Petrús. Ofereceu-lhe mais: R$ 5 milhões.
Seria uma ajuda para a campanha. Em troca, Pinotti não faria ataques nem a Pitta nem ao PAS, programa de saúde da prefeitura. Pinotti recusou a oferta.
A versão do malufismo: Pinotti procurou Edevaldo. Disse que queria encontrar-se com Maluf. Foi recebido na mansão do prefeito. Abriu-se uma garrafa de Château Petrús. Pinotti queixou-se de falta de dinheiro. Maluf desconversou. Propôs um acerto político: dependendo de como se saísse na campanha, o PMDB indicaria o secretário de Saúde da futura administração Pitta. Pinotti voltou à carga. Faltavam-lhe recursos para financiar o programa de TV. Pediu R$ 4 milhões. Em troca, pouparia Pitta de críticas. O anfitrião abespinhou-se. Disse que não aceitava chantagem. Mandou que Pinotti se retirasse.
As duas versões têm pelo menos três pontos em comum: 1) Maluf e Pinotti se encontraram durante a campanha; 2) dividiram uma garrafa de vinho francês; 3) falaram de dinheiro.
Os outros detalhes permanecem na zona cinzenta que costuma permear toda campanha eleitoral. De resto, o prefeito e sua administração passaram a merecer ataques diários no programa do PMDB.
Em publico, Maluf só se referia a Pinotti como "língua de aluguel." Pinotti rebatia. Dizia que sempre nutriu antipatia pelo PAS, seu maior alvo.
Nos diálogos íntimos, Maluf diz que Sérgio Motta, ministro das Comunicações e partidário da candidatura tucana de José Serra, deu dinheiro ao postulante do PMDB. Pinotti e o ministro negam com veemência.

2. FINANÇAS
O QG malufista informou à Justiça Eleitoral que gastaria R$ 10 milhões na campanha de Celso Pitta. A julgar pela quantidade de brindes despejados nas ruas da cidade e, principalmente, pela qualidade do programa de Pitta na TV, a cifra é modesta.
Não há no mercado quem leve os números oficiais a sério. Estimativas recolhidas pela Folha indicam que o malufismo gastou entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões.
Na contabilidade oficial, a campanha de Fernando Henrique Cardoso à Presidência custou R$ 31,7 milhões. Na escrituração paralela, suspeita-se que tenha roçado os R$ 50 milhões.
Durante a campanha, funcionários dos comitês eleitorais amealharam boa paga. A campanha de comunicação de José Serra cooptou um redator que trabalhava para Pitta.
Ofereceram-lhe R$ 90 mil, contra os R$ 30 mil que receberia se mantivesse a fidelidade ao PPB.
A despeito das cifras, faltou dinheiro ao esquema de Pitta. Na virada do primeiro para o segundo turno, atrasaram-se alguns pagamentos. Só com Duda Mendonça, restou pendurada uma dívida de cerca de R$ 300 mil. O publicitário foge do tema. "Sobre isso não falo de jeito nenhum."
A momentânea penúria da campanha coincidiu com uma fase de apuros da própria prefeitura. Com o caixa baixo, a administração Maluf foi forçada a refrear os repasses para empreiteiras e a reprogramar o cronograma de obras.
No momento, as finanças da campanha parecem ter voltado à normalidade. Pressionado, o empresário Jorge Yunes, caixa oficial do malufismo, pôs as contas em dia. Duda Mendonça recebeu os atrasados.

3. TROMBADA
No dia 3 de julho, durante jantar na casa de Paulo Maluf, um tremor sacudiu a campanha de Celso Pitta. Por muito pouco o publicitário Duda Mendonça, dono de um temperamento de dinamite, não jogou a toalha.
Estava irritado porque, dois dias antes, em debate na TV Bandeirantes, Pitta havia descumprido o roteiro de candidato bem-educado. Respondeu agressivamente a uma pergunta gentil de Francisco Rossi (PDT).
Ao chegar à casa de Maluf, Duda cobrou de Pitta respeito à estratégia de campanha. O candidato reagiu: "Eu sei o que quero. E, quando achar que devo, vou agir pela minha cabeça".
E Duda: "Ótimo, tô fora. Na medida em que você já sabe tudo, não precisa de assessor. Tô fora".
Fez-se um silêncio de cemitério, só quebrado pelo aviso do garçom: "O jantar está servido".
"Vamos tomar um bom vinho e conversar", desconversou Maluf. Sentaram-se à mesa. Serviram-se de Romanée-Conti. Enquanto sorviam o vinho, Pitta contornou: "Foi um mal-entendido", disse.
Maluf saiu em seu socorro. De início, Duda bateu o pé. Pitta convidou-o para uma esticada em seu apartamento, no Jardim Paulistano. Abriu uma garrafa de Remy Martin. O conhaque amoleceu as resistências de Duda. Às duas da madrugada, fizeram as pazes.
Perguntado sobre o episódio, Duda Mendonça faz um único comentário: "Sim, tivemos um atrito. Mas que foi superado. A nossa relação hoje não é 99% boa. É 101% ótima".

4. ESCOLHA
A história oficial diz que Pitta virou político apenas em março de 1996. Bobagem. Este foi o mês em que Paulo Maluf decidiu lançá-lo candidato. Mas sua iniciação na política ocorreu mais de um ano antes.
No início de 1995, Pitta trocou o descanso dos finais de semana por visitas à periferia de São Paulo. Estima-se que tenha apertado a mão de cerca de 500 líderes comunitários, espécies de dentes da engrenagem eleitoral malufista.
Maluf orientava e estimulava o pupilo. Mas era Calim Eid quem se entusiasmava com a desenvoltura de Pitta, então um desconhecido chefe da Secretaria das Finanças do município.
Foi Jesse Ribeiro, homem de confiança de Calim, quem ajudou Pitta a conhecer a máquina de votos que Maluf montou nas áreas pobres de São Paulo. Jesse é uma espécie de "pau-pra-toda-obra" do malufismo. Na campanha, coordenou atos de rua -as carreatas, por exemplo.
Além de Pitta, outros três secretários da prefeitura disputavam a preferência de Maluf: Paulo Richter (Planejamento e Saúde), Reynaldo de Barros (Serviços e Obras Públicas) e Lair Krahenbuhl (Habitação).
O prefeito conzinhou os auxiliares em banho-maria o quanto pôde. Temia que não tivessem viabilidade eleitoral. Em março, decidiu, afinal, submetê-los a um teste. Quem se saísse melhor, seria o candidato.
Sob a direção do publicitário Duda Mendonça, os secretários de Maluf gravaram discursos em vídeo. Cada fala tinha três minutos.
As fitas foram exibidas a três grupos de eleitores, num processo chamado tecnicamente de pesquisas qualitativas. Os melhores foram Pitta e Richter.
James Carville, o marketeiro americano que assessora Bill Clinton, dirigiu uma segunda bateria de gravações. Os aspirantes ao apoio de Maluf foram submetidos a uma sequência de perguntas inusuais.
Tais como: "Você é homossexual?" Ou ainda: "Não teme ver sua imagem associada à de Maluf, um ladrão?" O teste acabou sendo desprezado na hora da decisão.
Reynaldo de Barros exibia em causa própria uma pesquisa de opinião que lhe dava confortáveis 17%. Mas foi excluído. Julgou-se que tem a cara de um malufismo que se deseja manter à sombra. Passaria toda a campanha explicando os preços das obras licitadas por sua secretaria.
Lair Krahenbuhl foi considerado jovem demais pelos eleitores. Chamado a decidir entre Paulo Richter e Pitta, Maluf optou pelo segundo, de todos o mais desconhecido.
Uma atmosfera de velório abateu-se sobre o PPB. Ninguém acreditava que a candidatura Pitta pudesse decolar. Dizia-se ora que o paulistano não elegeria um zé-ninguém, ora que jamais votaria em um candidato negro.

5. DESLIZE
Uma simples ligação telefônica fez ruir o prestígio de Calim Eid junto à família Pitta. Calim comprou briga com ninguém menos que Nicéia, mulher de Pitta.
O telefonema desagregador foi disparado por Wilma Eid, filha de Calim. Do outro lado da linha, estava Nicéia.
A pretexto de dar-lhe conselhos, Wilma fez reparos a declarações de Nicéia em um programa de TV. Perguntada sobre o que faria como primeira-dama, a mulher de Pitta dissera que cuidaria mais do "social", uma área que, na sua opinião, não havia merecido a devida atenção da administração Maluf.
Sócia da empresa Atração, Wilma era uma das responsáveis pela infra-estrutura da campanha de rua. Para complicar, insinuou que Nicéia deveria ter atuação pública mais discreta
Foi a gota d'água. Nicéia interpretou o telefonema como uma mensagem de Calim Eid. E passou a desancá-lo.
Sob reserva, Pitta comenta que Calim poderia ter brigado com qualquer pessoa -com o Maluf, com ele próprio. Jamais com a Nicéia. "Ela apita muito", costuma dizer o prefeito eleito.

6. ANGÚSTIAS
Paulo Maluf não acreditava que Celso Pitta pudesse transformar-se no portento eleitoral que emergiu das urnas na última sexta-feira. Antes de fixar-se em Pitta, tentou pôr de pé outras cinco candidaturas: a dele próprio, a do empresário Antônio Ermírio de Moraes, a do banqueiro Olavo Setúbal, a do ex-ministro Delfim Netto e a do tucano José Serra.
A primeira opção de Paulo Maluf era Paulo Maluf. O presidente Fernando Henrique Cardoso prometeu ao prefeito que cuidaria para que a emenda da reeleição fosse votada em tempo de beneficiá-lo. Não cumpriu.
Maluf transformou-se no inimigo mais temido do Planalto. Tramará para que também a Fernando Henrique seja negado o direito à recandidatura.
Antes do furacão Pitta o prefeito não queria senão uma saída que conciliasse os seus interesses aos do Planalto. Sonhava com uma aliança que unisse em São Paulo PPB e PSDB.
Após sondar, sem sucesso, a Antônio Ermírio, Maluf esteve com Olavo Setúbal. Envolveu Brasília na negociação. O vice-presidente Marco Maciel e o próprio Fernando Henrique apelaram a Setúbal para que aceitasse. Mas o banqueiro alegou que já não tinha idade para a empreitada.
Maluf tentou, então, atrair José Serra. Disse que abriria mão de lançar candidato próprio. Apoiaria Serra e indicaria um maulfista para vice. Em 98, concorreria ao governo de São Paulo.
Em 3 de setembro, dia de seu aniversário, Maluf recebeu um presente de encher as vistas. Duda Mendonça entregou-lhe peças de uma hipotética campanha presidencial. São modelos de adesivos e de outdoors. Uma brincadeira que Maluf espera converter em realidade.

7. SUSTO
O malufismo tremeu no dia 28 de maio. Após longa hesitação, José Serra decidiu abandonar o Ministério do Planejamento. Entrou na disputa paulistana com ares de favorito.
Passados 15 dias, Serra empatou com Francisco Rossi (PDT), segundo colocado. Pitta amargava escassos 11%.
Duda Mendonça chegou a preparar comerciais de TV contra Serra. Em um deles, um serrote corta tábuas de madeira onde está escrito "EMPREGO". Maluf pinçou de sua videoteca fitas com reportagens sobre o desemprego e o aumento pífio que o governo havia concedido ao salário mínimo. Associaria o material à imagem de Serra.
Nada disso precisou ir ao ar. Pesquisas feitas sob encomenda de Maluf mostravam que o prestígio de Serra era menor do que o esperado. Pitta crescia na mesma proporção em que Serra despencava nas pesquisas.
O desespero do tucanato atraiu para São Paulo o ministro das Comunicações, Sérgio Motta. Os ataques de Motta aguçaram a ira de Maluf.
No dia 16 de agosto, Maluf telefonou para Fernando Henrique. Dali a dois dias, os dois deveriam se encontrar na abertura da Bienal do Livro, em São Paulo.
"Presidente, o sr. é um sedutor. Se eu fosse mulher, não resistiria a seus encantos. Mas não quero encontrar alguns amigos seus que andam me maltratando muito." Maluf não foi à Bienal.
Maluf ainda achava que Sérgio Motta o atacava sem o aval do presidente. Mudou de idéia em 2 de setembro. Em entrevista a Jô Soares, o ministro disse que "malufar" era sinônimo de "roubar".
Na semana passada, Maluf soube que FHC aconselhou Sérgio Motta a não responder mais aos seus ataques. "Por que não deu esse conselho em 2 de setembro, quando ele me chamou de ladrão?"

8. PARCERIA
O PPB de Paulo Maluf foi generoso com o PFL. Em troca de quase treze minutos de horário na TV, prometeu quatro secretariais aos pefelistas. Mais: cedeu carros e farto material de campanha.
Candidatos a vereador pelo PFL já recebiam os carros com o nome de Pitta pintado na lataria. Eram duas as marcas: Fiat e Gol. Os veículos foram especialmente alugados para a campanha.
Hoje, lembrado do compromisso de ceder vagas no secretariado de Pitta, Maluf impõe condições: "Se me indicarem quatro Jesus Cristo terão as secretariais. Se me vierem com quatro Barrabás, não terão".

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