São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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Governo aposta em via fiscal para reforma

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A reforma agrária é assunto antigo e sangrento no Brasil. A solução revolucionária é conhecida e virou bandeira do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para os governos, há décadas essa é uma reforma que acontece a conta-gotas, no máximo.
Agora, o ministro responsável pela questão, Raul Jungmann, aposta num modelo inusitado: serão os "sem-capital" os principais responsáveis pelo futuro dos sem-terra.
Há dois modelos possíveis. Um ficou famoso com a proposta do empresário Olacyr de Moraes, ex-rei da soja. Enforcado financeiramente, ele propõe a troca de suas terras por Títulos de Dívida Agrária (TDAs), um tipo de "moeda podre" que poderia ser usado na privatização de estatais.
A proposta já recebeu o endosso do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), articulador da frente ruralista, que declarou estar em campanha junto às grandes famílias proprietárias paulistas.
Com a descapitalização de muitos proprietários e num ambiente econômico em que as taxas de juros não deverão cair rapidamente, o imóvel rural perde atratividade, antes de mais nada, como reserva de valor.
O outro modelo para estimular a transferência de patrimônio dos sem-capital aos sem-terra viria por um pacote lançado via medida provisória, voltado à chamada reforma agrária por via fiscal.
A idéia é estabelecer alíquotas e mudanças operacionais no Imposto Territorial Rural (ITR) suficientemente punitivas para o proprietário de terras improdutivas a ponto de tornarem a terra um ativo estéril ou mesmo oneroso, de todo modo inadequado como reserva de valor.
A combinação de aperto fiscal e aperto financeiro abriria caminho para um aumento da oferta de terras para assentamento.
Resta saber se o governo estaria disposto a intensificar a troca por TDAs e sob quais condições.
Técnicos do ministério da Reforma Agrária reconhecem que o objetivo do governo não vai muito além de oferecer condições de mera subsistência às famílias assentadas. Mas até esse objetivo modesto pode ser impossível se não houver gastos adicionais em assistência técnica e investimentos em infra-estrutura.
Riscos e dúvidas
Há um risco evidente: o governo acabar propiciando um excelente ganho de capital para produtores endividados (e não necessariamente improdutivos), que, num momento posterior, estariam aptos a voltar ao mercado de terras e recomprar propriedades.
Mas a dúvida maior fica por conta do esquema de troca de terras por TDAs. Afinal, a privatização deve servir para colocar o máximo de recursos no caixa do governo.
Esses recursos seriam usados, segundo declarações da equipe econômica, para abater dívida pública velha. Mas adotar o "modelo Olacyr" seria o mesmo que criar uma dívida nova, para resolver o problema dos sem-capital e não necessariamente dos sem-terra.
Entre misturar privatização com reforma agrária e apertar o cerco tributário sobre os proprietários, o governo deve optar pela segunda alternativa, promovendo uma espécie de "reforma agrário-fiscal".
Hoje, a Receita calcula o ITR e notifica o contribuinte. Na proposta em estudo, o contribuinte apura o ITR para homologação posterior pela Receita. Isso antecipa a arrecadação. A receita também deve subir se aprovada a mudança na base de cálculo do ITR, que refletiria o preço no mercado.
O governo quer, ainda, unificar as tabelas utilizadas pela Receita Federal, reduzir de 180 para 30 o número de alíquotas e de 12 para 6 os intervalos de tamanho de áreas.
Algumas mudanças são detalhes, mas também dificultam a manutenção de terra improdutiva. Hoje, o domicílio fiscal do contribuinte é opcional; pode ser no município onde está a propriedade ou onde o proprietário reside.
Isso permite manobras que torna demorada ou inviável a fiscalização. O governo quer fixar o município de localização do imóvel rural como domicílio fiscal.

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