São Paulo, domingo, 17 de novembro de 1996
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O futuro do Brasil e o futuro do PMDB

ALBERTO GOLDMAN

O Brasil vem sofrendo, nos últimos anos, profundas mudanças. O velho Estado paternalista desmoronou. Não só o Estado produtor de bens e serviços, mas também o Estado que se pretendia protetor das massas de desvalidos. Privilégios que se reproduzem por décadas e décadas vêm sendo golpeados, e as corporações que se nutriram de lucros e vantagens fáceis enfrentam grandes dificuldades. Tanto o capital quanto o trabalho que atuaram na antiga estrutura econômica encontram um novo ambiente e, com ele, novos desafios.
Ao mesmo tempo, a nova realidade das forças de mercado, que começam a funcionar, se, de um lado, permite a ascensão de milhares de pessoas às novas formas de produção e de trabalho, não garante a inserção dos milhões de excluídos no processo de produção e de consumo. Significa que o país se moderniza, de forma inexorável, criando novos empresários e novos trabalhadores, mas ainda deixando de fora milhões de brasileiros.
Não se trata, contudo, de olhar para trás nem de tentar impedir as transformações que se realizam. Pelo contrário, trata-se de aprofundá-las e consolidá-las, vencendo as resistências naturais daqueles que se alimentavam das misérias do passado. Mas se trata também de encontrar um horizonte para aqueles milhões que, pelas próprias injustiças de nossa sociedade, não conseguem encontrar o seu lugar na nova ordem das coisas.
Esse é o papel de uma sociedade e de um governo democráticos. Não é reproduzir o caráter paternalista que presidiu a nossa história. É criar condições efetivas para que todos os brasileiros, indistintamente, tenham condições para participar desse novo mercado que se cria, do ponto de vista de sua atividade produtiva.
Foi o restabelecimento da democracia em nosso país que possibilitou a reestruturação de nossa economia. O regime militar dos anos 60, 70 e parte dos anos 80 e a consequente perda das liberdades democráticas mantiveram e aprofundaram o velho estatismo e os privilégios.
O modelo de desenvolvimento, que já mostrava sinais de esgotamento no final da década de 70, se manteve incólume durante a década de 80, e foi só o processo democrático de eleições que abriu as portas para a ação das forças modernizadoras da sociedade e permitiu, ainda de forma lenta e aos trancos e barrancos, o surgimento das novas concepções que hoje impõem uma nova dinâmica às forças produtivas.
É preciso, pois, reafirmar o valor da democracia como um bem universal. Só com ela é que o "novo" se manifesta, e só nela o "velho" pode ser vencido, ainda que se apresente a todo momento, tentando ressurgir ou barrar a construção de uma nova sociedade.
E é claro que esta nova sociedade não deixa de ter em seu bojo elementos da velha sociedade. A miséria em que se encontram milhões de brasileiros é um desses elementos, o que nos obriga a declarar que a guerra contra ela continua a ser uma das principais bandeiras daqueles que, em sua atividade política, buscam uma sociedade mais justa.
Ao regime autoritário correspondeu o bipartidarismo; à abertura política, a criação de inúmeros partidos, mas ainda balizados pela necessidade de redemocratização do país. Hoje, consolidada a democracia política, ainda que com suas falhas e distorções, os partidos que subsistirão com expressão na cena política terão de responder: que sociedade pretendem construir, qual é a razão de sua existência?
Após a Constituinte começa a crise do PMDB. Contudo ele se mantinha como o maior partido do país. Suas raízes profundas na vida brasileira o sustentavam nos mais recônditos lugares. Mas, nos últimos dois anos, sem direções atuantes, sem nomes de prestígio que o pudessem referenciar, sem um projeto claro para a sociedade, o partido começa a definhar com celeridade.
As recentes eleições municipais são um sinal de alarme. Ainda que seja o maior em número de prefeituras, o partido sofreu derrotas acachapantes nas maiores cidades do país, em muitas delas nem sequer lançando candidatos.
O pior resultado foi, sem dúvida, em São Paulo, berço e núcleo político mais importante do PMDB. Nas 30 maiores cidades do Estado não elegemos prefeitos de nossa legenda. Perdemos, inclusive, na maioria dos pequenos municípios. No total de votos da legenda no Estado ouso afirmar, sem ter todos os resultados à mão, que estivemos em torno de 10% a 12% do eleitorado.
Durante a campanha eleitoral não soubemos, enfim, responder a pergunta: o que somos? Para que existimos? Vamos assumir a nossa crise e enfrentar a questão da razão de nossa existência. Teríamos já cumprido o nosso papel histórico como partido político?
Assim como soubemos definir para o MDB, e, depois, para o PMDB, a sua razão de viver, vamos hoje colocar as questões que têm povoado nossa mente e a mente de nossa gente. O tempo urge e a nação espera as nossas respostas.

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