São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 1996
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Verba de ração acabaria com fome infantil

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Os R$ 350 milhões gastos para dar ração a 7 milhões de cães e gatos seriam suficientes para alimentar por um ano as crianças que não têm o que comer no país.
Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde e Demografia do Ministério da Saúde, 1.006.400 crianças com até cinco anos não têm a altura mínima que deveriam ter para a idade. Ou seja: passam fome.
Não se quer sugerir aqui que lulus e bichanos sejam exterminados para se dar de comer às crianças, como fizeram os chineses após a Revolução Comunista de 1949.
A idéia é expor a tese de alguns especialistas de que é simples e barato atacar a desnutrição infantil -gasta-se menos do que com um cachorro, em muitos casos.
O preço da fome
Tratar um cachorro à base de ração custa R$ 20 por mês em média, segundo Sandro Cimati, 34, diretor comercial da Purina, uma das maiores empresas do setor.
O valor é superior ao que o governo gasta per capita em dois programas para desnutridos: o do leite e o da cesta básica.
A cesta básica distribuída a famílias que não ganham o suficiente para comprar alimentos custa R$ 13. Tem 5 kg de arroz, 3 de feijão, 7 de farinha e 10 de fubá.
O Programa do Leite contempla a criança desnutrida, a mãe e um irmão. A criança recebe em leite R$ 15,12 por mês; mãe e irmão, mais R$ 7,20 cada -um valor médio de R$ 9,84 por beneficiado.
Os R$ 350 milhões do mercado de ração pagariam até soluções mais sofisticadas.
O Centro de Reabilitação e Educação Nutricional, ligado à Universidade Federal de São Paulo, gasta R$ 0,79 por dia em alimentos para dar três refeições para cada criança desnutrida que trata.
Se os R$ 350 milhões fossem aplicados nessas refeições, seria possível alimentar 1.230.661 crianças por um ano -224.261 a mais do que os desnutridos contabilizados na pesquisa do governo.
A tese de que é simples e barato atacar a fome decorre da redução do problema, segundo Malaquias Batista Filho, 62, professor titular de nutrição da Universidade Federal de Pernambuco.
Em 1975, 18,4% das crianças brasileiras eram desnutridas; hoje são 5,7%. É quase o dobro dos 3% aceitos pela Organização Mundial de Saúde, mas representa uma queda de 69% em 21 anos.
"É simples combater a fome porque o número de desnutridos é relativamente pequeno, e sabemos quem são e onde estão", diz.
Segundo Batista Filho, são crianças de 6 meses a 2 anos e vivem no Nordeste -a região abriga 48% das crianças desnutridas do país.
O período de 6 meses aos 2 anos é o mais frágil da criança porque é aí que ela fica sem leite materno. Para o pesquisador, é possível salvá-la com os R$ 15,60 gastos pelo Programa do Leite.
Barato e sofisticado
Ana Lídia Savaia, professora da Universidade Federal de São Paulo especializada em nutrição, afirma que o centro de nutrição da instituição é a prova de que há soluções baratas e sofisticadas para a fome.
O centro é uma espécie de hospital-dia -43 crianças ficam lá de segunda a sexta-feira, recebem três refeições e são assistidas por pediatra, psicólogo, fisioterapeuta e assistente social. Em certos casos, até a família é tratada.
Custou R$ 150 mil "porque é chique", segundo Savaia. Daria para fazer num barracão gastando-se um décimo do valor.
"É só espalhar esses centros pelo Nordeste que a fome acaba. Mas falta vontade política", diz ela.
Em Fortaleza, funciona há dez anos uma experiência similar, o Instituto de Prevenção à Desnutrição e à Excepcionalidade.
A principal diferença em relação ao centro paulista é que o instituto atende só casos crônicos de desnutrição, nos quais a criança consegue comer tão pouco que são necessárias 10 ou 12 refeições diárias.
Tratada por pediatras, nutricionistas, fisioterapeuta, psicólogo e pedagogo, cada criança custa cerca de R$ 2 por dia, segundo a nutricionista Ana Cavalcante, 37.
Recebe no mínimo sete refeições por dia e, entre quatro e seis meses depois, está recuperada.
O trabalho foi duplamente premiado. A Organização Mundial de Saúde vai publicar um texto sobre a experiência, cujo título resume tudo: "Soluções simples para problemas comuns". A Fundação Abrinq deu o outro prêmio.

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