São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 1996
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'Xica da Silva' não valoriza debate da negritude

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em 1995 a comemoração dos 300 anos de Zumbi ofereceu uma oportunidade inédita para que se falasse de raça no Brasil. Um ano depois, às vésperas de mais um aniversário do líder negro, a quebra da invisibilidade que caracterizava a questão racial parece ter vindo para ficar.
Em 1996 a sociedade começa a perder o preconceito em lidar com a cor. A pioneira ascensão pelo voto de um político negro à Prefeitura de São Paulo, o sucesso estrondoso da revista "Raça Brasil" e a abordagem da luta histórica dos negros na novela "Xica da Silva" confirmam o rompimento do tabu.
Essas ocasiões de destaque aparecem com conotações desiguais. É significativo que o mercado de bens de consumo seja mais permeável ao tratamento explícito da raça que o mercado político. Mas o que incomoda é a timidez com que o assunto foi tratado durante a campanha, é inegável que a cor do prefeito eleito por si só acena com uma mudança.
É na esfera do consumo, afirmando com orgulho sua diferença racial nos cabelos e nas roupas, que os negros realizam sua ofensiva mais radical. "Raça Brasil" é a maior expressão disso.
Porém as emissoras de televisão ainda não se aventuram de maneira contundente. A Manchete, que há anos se caracteriza pela exibição de altas doses de sensualidade feminina, insiste na mesma tecla. Ao invés dos 301 anos de Zumbi, comemora os 18 anos de Taís Araújo, protagonista da novela "Xica da Silva". A emissora procura criar suspense em torno da novela anunciando o aumento de "cenas fortes" depois do dia 25 de novembro, quando a maioridade da atriz permitirá a exibição de seu corpo com maior liberalidade.
Talvez uma campanha mais ousada em torno da negritude, das lutas e quilombos, que afinal constituem a substância da trama, estivesse mais sintonizada com o interesse que a novela parece despertar.
Existem projetos de programas produzidos por negros e dirigidos ao público negro que ainda não conseguem espaço para ir ao ar. É o caso de "Mulheres Negras" idealizado por Joel Zito Araújo. Trata-se de um talk-show apresentado por Elisa Lucinda e Adriana Lessa, que aborda a produção cultural e trabalhos educacionais.
O diretor trabalha no projeto procurando torná-lo tão atraente quanto a revista "Raça Brasil". Não deveria encontrar dificuldade com as emissoras, mas elas ainda hesitam. O espaço está aberto para que raça ganhe a visibilidade que merece.

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