São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 1996
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Escândalo na Vale

DARCY RIBEIRO

Engrossa cada vez mais o número de homens de bem que se expressam, veementes, contra a privatização da Vale, que vêem como uma negociata. Entre eles se contam cidadãos exemplares em seu patriotismo e em sua sabedoria, como Barbosa Lima Sobrinho, Aureliano Chaves, d. Luciano Mendes de Almeida, brigadeiro Ivan Frota, José Aparecido de Oliveira, Celso Brant, Oscar Niemeyer e Itamar Franco.
Do outro lado, estão os tecnocratas bisonhos do BNDES, insistindo na privatização sem apresentar nenhum argumento que a justifique, senão a doutrina de que só ao capital privado cabe lucrar e que uma empresa pública, quanto mais lucrativa for, mais urgentemente deve ser doada aos banqueiros para que lucrem, com a promessa de que, muito ricos amanhã, dividirão sua riqueza.
A tudo que já se disse sobre a companhia Vale do Rio Doce, acrescenta-se agora um verdadeiro escândalo. Antes se comprovou que a empresa é a maior e mais lucrativa de seu ramo, que domina a mais alta tecnologia, que está associada a dezenas de outras empresas para o desenvolvimento de seus projetos. Sobretudo, que tem posse e domínio sobre dezenas de minas de ouro e de toda sorte de metais que, por si só, valem muito mais do que a Vale como empresa, uma vez que são avaliadas em 15 vezes mais do que a dívida externa brasileira. Por todas essas razões, e também porque o rendimento da Vale, com suas exportações, é uma ponderável fonte de divisas para o Brasil, seu controle público é a única garantia possível de que continue a atuar em defesa dos interesses nacionais.
Sobre todos os absurdos do grupo privatista do BNDES, surge agora uma providência francamente escandalosa: obrigaram a Vale a colocar nos escritórios do banco cópia de toda a documentação básica da empresa. Esta atendeu à solicitação, cuidando que se tratava de um esforço do banco para entender melhor a companhia. Para surpresa e escândalo de todos nós, os tecnocratas-bancários abriram esse acervo documental às empresas que estão disputando a privatização da Vale. Comprem ou não comprem a companhia, eles passam a estar armados de informações que os tornarão muito mais competitivos contra as empresas nacionais.
Efetivamente, se apossaram do acervo histórico dos atos administrativos através dos quais a Vale cresceu, da tecnologia de ponta que a Vale dominou e se informaram sobre o componente e o valor de suas reservas minerais, exploradas ou em projetos de exploração. Trata-se, inegavelmente, de um abuso criminoso contra os interesses econômicos do Brasil. Presumivelmente, esse ato nem foi inspirado pela vantagem dos subornos. Deve-se, essencialmente, à fúria maníaca da privatização doutrinária que se apossou do BNDES.

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