São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lei cidadã

CARLOS MOSCONI

Aprovado por unanimidade pela Comissão de Seguridade Social e, no mês passado, também por unanimidade pelo plenário da Câmara dos Deputados, o projeto de lei que regulamenta a doação de órgãos no país pretende salvar vidas por meio de ato de cidadania, consciente e democrático.
O ilustre senador Darcy Ribeiro, em seu artigo na Folha no dia 4 de novembro, tacha a mim e ao substitutivo votado de "assassinos" por não termos encampado a sua proposta original, que obriga todo o brasileiro a ser um doador compulsório de órgãos.
Cúmplices dessa "lei assassina" seriam também a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Federal de Medicina, a Escola Paulista de Medicina, a Unicamp e o Conselho de Bio-Ética, entre outras entidades representativas da sociedade civil que, durante audiência pública promovida para o debate do projeto, manifestaram-se veementemente contrários à proposta original do senador Darcy Ribeiro e amplamente favoráveis ao substitutivo que apresentei.
Nos países onde os transplantes são realizados de forma mais expressiva, como França e Espanha, as suas leis são também facilitadoras, como pretendemos, e não impositivas.
Em síntese, duas são as diferenças entre os dois projetos. Enquanto a proposta do senador autoritariamente transforma a doação de órgãos em um ato inconsciente, o projeto da Câmara o quer como uma ação positiva.
Para isso, estabelece que, a partir da aprovação da lei, torna-se obrigatório em todo o território nacional que a carteira de identidade e a carteira nacional de habilitação tenham gravadas a opção de umas das alternativas: "doador de órgãos ou tecidos", "não-doador de órgãos e tecidos", "sem definição". Dessa maneira, acreditamos estar protegendo a manifestação de vontade de cada brasileiro.
O projeto da Câmara conta também com outra diferença fundamental: não busca apenas estimular a doação de órgãos, mas também possibilitar que ela se reverta em transplante.
Para que a doação possa efetivamente salvar vidas, é preciso que existam no país hospitais e equipes capacitadas a retirarem os órgãos e transplantá-los. No Brasil, as filas da hemodiálise, da córnea, do coração, do rim, do fígado não são formadas por falta de doadores, mas sim por falta de centros capacitados a realizar os transplantes.
Em São Paulo, dados da Secretaria Estadual de Saúde indicam que o número de doações é maior do que as captações que é possível fazer.
O projeto aprovado pela Câmara obriga à criação de centrais de notificação, captação e distribuição de órgãos, de maneira que se possa ter ações integradas, que permitam às equipes agir rapidamente e conseguir, por exemplo, captar um órgão no Acre para salvar uma vida no Rio Grande do Sul.
Consciente da imprescindível necessidade de ampliar o número de transplantes realizados no país, enquanto estive à frente da Secretaria Nacional de Saúde credenciei centros para o transplante de fígado, pulmão e coração que não existiam no Brasil e que, hoje, embora ainda em quantidade bastante inferior às necessidades, fazem parte dos serviços prestados pela rede pública do Sistema Único de Saúde.
O projeto de lei voltou à apreciação do Senado Federal, sua casa de origem. E nós, deputados, cumprimos com nosso papel de oferecer uma alternativa democrática e viável para estimular o aumento de transplantes no país. Resta à sociedade brasileira se manifestar novamente sobre o que considera mais justo e legítimo junto àquela casa revisora. De nossa parte, temos a certeza de que fizemos o melhor, aprovando um projeto que, de fato, irá permitir que consigamos diminuir as trágicas filas pela vida.

Texto Anterior: Violência e democracia
Próximo Texto: Quem tem tem medo; A alma do negócio; Micro e pequenas empresas; Avalanche de ilegalidades; Vôo 402; A vitória capitalista; Guarda-chuvas; Ação do ex-menino de rua; Privatização; Criminalidade; Gestão Suassuna; Maus exemplos do boxe
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.