São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 1996
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Passageiro vira 'faquir voador' nos EUA

RALPH SCHOENSTEIN
DO "TRAVEL/THE NEW YORK TIMES"

Fazer dieta nos ares já era moda desde o final de 1995, quando a American Airlines descobriu que economizaria US$ 100 mil por ano removendo uma azeitona de cada salada servida aos passageiros.
Mas essa é apenas a ponta do iceberg. Outras companhias foram muito além disso. Elas têm cancelado refeições inteiras, na esperança de que os passageiros tenham se alimentado no aeroporto.
No último verão, a Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo) revelou que as companhias aéreas norte-americanas estão gastando US$ 4,45 em refeições por passageiro, US$ 1,15 menos do que gastavam em 1992.
Considerando desnecessário o açúcar no sangue, a United Airlines serve agora apenas salgadinhos em vôos de até 1.430 km, a menos que o vôo aconteça em um horário tradicional de refeição.
E muitas viagens longas estão sendo desdobradas em duas partes, nenhuma delas qualificada para receber refeições.
"Comida de avião sempre foi terrível", diz Peter Bauer, da loja de roupas esportivas Youngone America, de Miami. "Agora ela está pior e menor", conclui.
Será então que essa combinação de pior com menor não seria uma boa nova para os viajantes?
Para muitos, sim, mas não para mim. Eu sempre adorei comida de avião. Uma falha genética -o nome científico é mau gosto- me tornou incapaz de diferenciar comida servida em Paris dos bandejões das prisões federais.
Agora, eu tenho de comprar a minha imitação de comida no aeroporto, já que a companhia aérea não a serve para mim.
Oliver Twist
Para analistas de aviação, era inevitável o fato de que os passageiros iriam virar Oliver Twists estratosféricos.
"Depois de perder mais de US$ 13 bilhões de 1990 a 1994, a indústria estava desesperada para cortar custos", diz David Swierenga, economista da Iata.
Lee Howard, presidente da Economia Aérea Internacional (AEI), empresa de consultoria da Geórgia, diz: "As grandes companhias aprenderam com a Southwest, que nunca esperou pretexto maior para oferecer aos passageiros nada além de amendoim e biscoitos".
"Os amendoins!", disse Caroline Ferrer, que voa mais de 160 mil km por ano para implantar programas de leitura em bibliotecas.
"Não deve ter sido muito difícil para as companhias aéreas extrair o sabor da carne, mas dos amendoins deve ter sido desafiador. Uma vez, eu cheguei a enviar uma refeição inteira de volta."
"Mas, Carolina, não é uma bênção quando a sua entrada cai no chão. Não foi Aristóteles que disse: 'Menos é mais'?", disse eu a ela.
"Aristóteles nunca viajou de Miami a Dallas pela American, em que nem na primeira classe é servido algo para comer", disse ela.
"A única maneira de evitar isso é voar de primeira classe até a Ásia. Então você recebe caviar e pato laqueado. O 'projeto fome' opera apenas nos EUA."
Se Caroline quiser dar um "upgrade" nos amendoins, ela deve voar pela Continental, onde uma mulher chamada Miss Loberto disse: "Recentemente voltamos a oferecer o nosso amendoim original. Além da Coca-Cola Clássica".
"Alguma coisa original que eu possa fatiar?", perguntei a ela.
Na maioria das companhias aéreas atuais, uma mudança no serviço de bordo significa eliminá-lo.
"Vox populi"
"O público pediu para que eliminássemos a comida", disse Cindy Reeds, relações-públicas da Delta. "Há um ano e meio, nós fizemos uma pesquisa com centenas de passageiros. Eles disseram que queriam tarifas mais em conta, então decidimos cortar refeições."
O público voador parece pertencer a um de dois grupos, para outra funcionária da Continental.
"Muitos dizem: 'Vocês não estão alimentando a gente'. Mas eles amam as tarifas. Mesmo nos tempos de bonança que antecederam a desregulamentação da aviação nos EUA, quando a única competição tinha a forma de brindes, a comida de avião sempre era pobre. A USAir, por exemplo, sempre serviu pouca quantidade."
"Os caçadores de barganha estão controlando o negócio. Executivos com as despesas custeadas por suas empresas querem continuar a comer, mas eles vão ter de procurar muito pela comida."
"Em algum lugar do lado de fora da aeronave", concluí.
O grande alijamento de comida leva a uma deliciosa ironia: na Internet, a American está vendendo um livro com as receitas que ela não quer servir em seus aviões.
Qual será o futuro da aviação?
Talvez um dia, tomarei um avião do aeroporto JFK, em Nova York, até Los Angeles por US$ 14,95.
Quando entrar na aeronave, não encontrarei nenhuma comissária de bordo porque os passageiros votaram pela extinção delas.
Andarei até o fundo da aeronave, onde encontrarei o piloto esbofeteando uma máquina de doces.
"Não há manutenção para essas coisas", dirá ele.

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