São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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A bolha

LUCIANO COUTINHO

A Bolsa de Valores de Nova York vem subindo como um foguete nos últimos quatro meses -acumulando mais de 20% de alta no período. Como os fundamentos econômicos não respaldam tão formidável desempenho, estamos diante de uma bolha especulativa, em plena expansão. Como toda bolha está fadada a estourar -mais cedo ou mais tarde-, os operadores responsáveis deveriam pôr as barbas de molho.
O segredo da especulação -já ensinava Keynes na Teoria Geral- está na arte de adivinhar a psicologia dos mercados. Os especuladores poderosos, formadores das convenções dominantes, ainda vêm apostando na aceleração. Em algum momento futuro -quando considerarem que o "boom" vai se tornar insustentável- pularão fora e deixarão o "mico" nas mãos dos incautos.
Estes, entusiasmados por gananciosa excitação, continuam engrossando o cordão dos compradores. A classe média americana abastada e rica aplica uma parte crescente de sua riqueza acumulada em papéis financeiros. Os administradores de fundos, especialmente dos fundos mútuos, entram na onda para mostrar resultados e atrair mais clientes.
Finalmente, corretores e capitalistas estrangeiros -insatisfeitos com as taxas de juros muito baixas nos seus próprios mercados- buscam obter ganhos extraordinários nos Estados Unidos. Os japoneses têm sido especialmente ativos, com o beneplácito do Banco do Japão, pois assim ajudam a valorizar o dólar e a enfraquecer o iene -estimulando a competitividade das exportações nipônicas.
A euforia bursátil foi especialmente alavancada nas últimas três semanas em função dos resultados da eleição (o mercado interpretou positivamente a divisão entre o Executivo com Clinton, e o Congresso, com os republicanos) e efervesceu com as evidências de moderação do crescimento da economia e de bom comportamento da inflação.
Além disso, o anúncio de lucros robustos em vários setores econômicos, particularmente em informática e telecomunicações -beneficiados pela forte onda de investimentos para formação de redes de informação e de intercâmbio de dados, jogou mais lenha na fogueira.
A valorização dos papéis ainda pode se sustentar no futuro próximo, enquanto não aparecerem fatos e sinais perturbadores. Mas os índices técnicos já estão demasiadamente esticados e qualquer evento adverso pode reverter abruptamente as expectativas para o lado pessimista.
Indicações de reaquecimento da economia ou de reanimação da inflação poderão deflagrar pressões altistas sobre as taxas de juros de longo prazo e, automaticamente, derrubar a Bolsa. A deflação será tanto mais profunda quanto mais cheia a bolha. Os novos mecanismos de interrupção do pregão ("circuit breakers") a cada vez que a bolsa mergulha 50 pontos, assim como a proibição de programas automáticos de liquidação de posições para conter perdas ("stop loss"), podem evitar a formação de situações de pânico catastrófico, como ocorreu em 1987, mas não serão suficientes para conter uma desvalorização substancial, com aguda subida das taxas de juros longas.
Os efeitos deletérios deste cenário poderão ser dramáticos para países como o Brasil, que dependem em larga medida da entrada de capitais externos para sustentar suas políticas macroeconômicas. Nesse caso ficaremos à mercê e a reboque de uma possível intervenção de última instância do Federal Reserve americano.

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