São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996 |
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Estouro no rebanho
OSIRIS LOPES FILHO Este governo federal vai seguindo os piores exemplos da ditadura militar em matéria tributária. Manipula a norma disciplinatória dos tributos.Mas o saque e a espoliação legalizados só têm aumentado. A última versão é a medida provisória nº 1.528, de 19.11.96, que majora o Imposto Territorial Rural (ITR). Essa medida demonstra uma contradição fundamental na política governamental. No projeto de reforma constitucional-tributária, o governo FHC propõe que a competência para instituir o ITR passe a Estados e Distrito Federal. Entretanto, a nova medida provisória redisciplina o ITR e procura dar-lhe efetivamente o caráter de poderoso instrumento para a reforma agrária. Não é mero aperfeiçoamento. É uma disciplinação ambiciosa. Feita para durar. A sua redação, como já é tradicional, consagra uma luta brutal com a técnica jurídica e com a Constituição. Na busca singela e cândida de simplificação, leva de roldão o direito e a Constituição. Começa o caratê normativo no artigo 1º, parágrafo 3º. Diz tal dispositivo: "O imóvel que pertencer a mais de um município deverá ser enquadrado no município onde fique a sede do imóvel e, se esta não existir, será enquadrado no município onde se localize a maior parte do imóvel". Parece que tal regra não se dirige ao município proprietário de imóvel rural, mas ao imóvel situado em mais de um município. Afora o estilo castrense-mobralizado, trata-se a Constituição a porradas. Esquece-se que o artigo 158, II, da Constituição estabelece que "pertencem aos municípios 50% do produto da arrecadação do imposto da União sobre a propriedade territorial rural, relativamente aos imóveis neles situados". Vale dizer, metade do ITR é receita própria do município onde estiver situado o imóvel. Daí, contrariar a Constituição o critério simplório constante do dispositivo transcrito. Isso é só o início. Devo penitenciar-me de observação feita em alguns artigos passados. Entendia que o presidente FHC só pensava naquilo: prorrogação de mandato, perdão, reeleição. Essa MP obriga-me a rever a posição. Vai abalar a tranquilidade da família Carneiro. Mexer na terra, onde se apascenta grande parte da dócil maioria congressual, provocará um estouro do rebanho. Para aglutiná-lo será necessário potencializar os agrados, favores e cargos. Terá de haver dose múltipla da filosofia franciscana do "é dando que se recebe". Osiris de Azevedo Lopes Filho, 57, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal. Texto Anterior: Crise anunciada, solução engavetada Próximo Texto: Nada é automático no câmbio/déficit Índice |
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