São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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Nada é automático no câmbio/déficit

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Nas últimas semanas, duas notícias sobre os Estados Unidos surpreenderam os observadores. O déficit público caiu ao seu nível mais baixo dos últimos 15 anos. E o déficit comercial voltou a crescer.
As importações superaram as exportações em US$ 11,3 bilhões em setembro, o segundo pior resultado já registrado. A China surgiu como novo vilão (substituindo o Japão). Mas qual a relação entre os dois déficits e a taxa de câmbio?
Embora pareça uma questão puramente acadêmica, suas implicações práticas são enormes e, aliás, relevantes para os brasileiros. Afinal, nos últimos dias o governo andou justificando o déficit comercial, que muitos atribuem ao câmbio, ao déficit público persistente. Ouvi até comparações entre o caso brasileiro e os "twin deficits" (déficits gêmeos) dos Estados Unidos.
Segundo alguns economistas, quando há déficit público pode ocorrer, entre outros efeitos, uma pressão de demanda na economia. Mais demanda pode significar também procura maior por bens importados. Bingo: o déficit público e o déficit comercial surgem como "gêmeos".
Onde entra o câmbio nessa história? O governo deficitário, para se financiar, é obrigado a elevar as taxas de juros. A diferença entre juros internos e externos provoca a entrada de capitais especulativos.
A oferta maior de dólares valoriza a moeda local e, assim, joga mais água no moinho das importações, dificultando as exportações. Câmbio, déficit público e déficit comercial formam, assim, um círculo vicioso.
Modelos
Mas será que o mundo real funciona mesmo assim? Segundo o prêmio Nobel de Economia James Tobin, não necessariamente. Num texto escrito em 1993 e republicado este ano pela editora do MIT (Massachusetts Institute of Technology) na coletânea "Essays in Economics" (volume 4), Tobin faz algumas advertências bastante oportunas para os que observam "twin deficits" tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.
O Nobel é bastante didático, alertando para o perigo (comum entre economistas) de confundir equações macroeconômicas com explicações do tipo causa e efeito. Com a palavra, Tobin: "(as equações) por si mesmas não nos dizem, por exemplo, que os déficits do governo geram déficits no comércio exterior ou que importações se auto-financiam porque induzem entradas de capitais externos ou que os investimentos empresariais geram lucros."
Esses enunciados, ensina, podem ser verdadeiros, mas não se pode prová-los a partir de equações que, usadas na contabilidade nacional, são verdadeiras por definição.
Mas alguns desses enunciados têm sido repetidos exaustivamente por autoridades do governo brasileiro para explicar por que temos um déficit comercial ou por que não é preciso ficar assustado com o déficit em conta corrente.
Tobin chama a atenção para alguns mal-entendidos comuns. O primeiro é o de que eliminando o déficit público conseguimos automaticamente eliminar o déficit em conta corrente. No modelo apresentado pelo economista, uma redução do déficit público permitiria ao banco central reduzir os juros. Juros menores levariam a uma desvalorização do dólar.
Assim, uma redução do déficit comercial não ocorreria automaticamente com a redução do déficit público, a não ser que houvesse tal decisão com relação à taxa de juros. Decisão que está nas mãos do banco central. Mas é uma decisão, não um mecanismo automático. E é uma decisão que passa pela desvalorização cambial.
Tobin conclui o argumento com uma frase lapidar, dessas que afinal mostram porque o Nobel foi parar nas suas mãos. "A política monetária é a política cambial" (pág. 590 no livro do MIT).
O texto de Tobin vai além, mas esse exercício já nos basta como exemplo de como, em economia, os mecanismos dependem dos modelos com que se trabalha. Há mecanismos e lógica, sem dúvida. Mas as coisas são automáticas apenas para quem imagina que certas questões não podem ser realmente discutidas.

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