São Paulo, domingo, 24 de novembro de 1996
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PÁTRIA E PATRIMÔNIO

A temperatura do debate sobre a privatização da Companhia Vale do Rio Doce subiu vários graus nos últimos dias. O governo federal reafirmou o compromisso com a venda da estatal, mas ao mesmo tempo mostra-se flexível: adiou o prazo limite para a realização do primeiro leilão. Abre-se assim ótima oportunidade, de quatro meses, para que a privatização seja entendida e legitimada.
É importante, antes mesmo de entrar nos detalhes (modelo de privatização, criação de fundos de investimento regional, garantias sobre reservas minerais a serem descobertas etc.), abrir o debate sobre o fundamento, os princípios, a razão de ser dessa privatização.
Na sua manifestação mais abstrata e, supõe-se, mais desinteressada e menos corporativista, o combate à privatização faz-se em nome da defesa da pátria. O argumento é bastante claro: alienar o patrimônio (sobretudo recursos naturais considerados estratégicos) seria trair a pátria. Foi sob essa inspiração que muitos lutaram pela estatização do petróleo, pela criação de siderúrgicas nacionais e outras iniciativas há 50 anos.
Hoje deve ser recolocada a questão: qual é afinal o patrimônio público que por excelência define os fundamentos da autonomia nacional? A resposta já está clara para muitos: é a existência digna dos cidadãos, com saúde, alimentação, habitação e acima de tudo educação. É o capital humano que define o potencial de uma sociedade na economia atual.
Mais claro ainda é o fato de que, apesar de tantas iniciativas estatais e estatizantes das últimas décadas, o "patrimônio social" brasileiro foi sacrificado, a exclusão foi sistemática a ponto de colocar, aí sim, em risco o desenvolvimento nacional.
A Vale, como a Companhia Siderúrgica Nacional, já privatizada, ou as telecomunicações, que estão sendo privatizadas, deve ser vendida para que o Estado tenha os recursos necessários para o resgate da dívida pública e, assim, para que haja o saneamento fiscal sem o qual não há recursos para missões sociais do Estado.
É urgente retirar o Estado das atividades produtivas, da propriedade de coisas, para que assuma a responsabilidade inadiável com o patrimônio social. É a valorização desse patrimônio humano que permitirá ao país vir a ser verdadeiramente uma pátria.

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