São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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A perda do futuro

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

Os rituais comemorativos dos 40 anos da Exposição Nacional de Arte Concreta pouco acrescentam ao que já se sabe -e em nada modificam as posições cristalizadas.
Servem, ao menos, para lembrar quanto eram diferentes aqueles tempos dos atuais.
Vivia-se nos anos 50 uma espécie de febre "futurista". A intelectualidade, os círculos artísticos e a melhor política orbitavam em torno de uma questão, parta todos, crucial: o que desejamos de nosso futuro?
A idéia de que algo de melhor, de mais belo, de mais justo e de mais inteligente nos esperava -ainda que as divergências fossem enormes- dominava a cena.
Uma nova poesia, uma nova arquitetura, uma nova música, uma nova pintura, um cinema novo, uma nova sociedade -era o que se tramava.
Que o movimento de 64 tenha vindo para abortar as expectativas renovadoras, tomando a si a tarefa de administrar, "manu militari", a nova fase da modernização, foi um corte. Mas, ainda assim, o ânimo da transformação desfrutou uma considerável sobrevida.
Em certo sentido, algumas daquelas "utopias" acabaram, mesmo parcialmente, materializando-se, se não no plano da realidade, no simbólico.
Uma apreciação sem preconceitos da bossa nova, de Niemeyer, do cinema novo, do tropicalismo, do teatro de José Celso, do concretismo, da obra de Chico Buarque ou da aventura de Hélio Oiticica parece indicar que, em seu mundo paralelo, a cultura esteve próxima de construir, ao longo desses 40 anos, uma síntese moderna e original da brasilidade, já anunciada em 22.
Hoje, o país é outro, e a idéia de que possa tornar-se alguma coisa diferente e estimulante passou a ser tema de loucos e visionários.
Vivemos o império da competência, da profissionalização, do show-business, do mercado.
Se há qualidade na cultura (e claramente há, não só no trabalho das gerações, mas também entre novos talentos, nas artes plásticas, no teatro, na música ou na dança), perdeu-se muito do élan, do sentido coletivo, da visão prospectiva de 40 anos atrás.
Ouvi do colunista Marcelo Coelho a boa "boutade": as preocupações em torno de certos valores culturais brasileiros ou, simplesmente, de valores culturais mais elevados tornaram-se "ecológicas".
Ou seja, a aparente impossibilidade, nesses tempos de mesmice planetária, de que a cultura venha a se articular a um sentimento de renovação mais amplo, com vistas a um projeto de futuro, deixou-a ao sabor de um aqui-agora que oscila do niilismo ao conformismo glamourizado.
É verdade que nem todos dançam com lobos: a integridade de personagens tão díspares como Augusto de Campos e Ariano Suassuna, por exemplo, permanece. Mas cada vez mais soa como um alaúde na banda estridente da globalização.

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