São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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Plantio de maconha em PE 'aprisiona' 20 mil pessoas

ARI CIPOLA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CABROBÓ (PE)

Cerca de 20 mil pessoas trabalham nas lavouras de maconha do sertão de Pernambuco, o principal pólo produtor da droga no país.
Elas passam quase cinco meses dentro das roças, sem poder sair. Abandonam as famílias em casebres urbanos ou localizados no meio da caatinga.
Quem sai corre risco de morrer. O aprisionamento faz parte do código de silêncio imposto por traficantes e financiadores das lavouras, que temem a delação.
As lucrativas plantações são ilegais, mas de conhecimento das autoridades -que não conseguem combatê-las. E as populações marginalizadas viram presas de um esquema real, mas "fantasma", na luta pela sobrevivência.
Os homens que trabalham nas lavouras de maconha acabam envolvidos no esquema e passam a funcionar também como seguranças. Empunham armas para proteger a plantação de policiais.
"Todo mês um agricultor é assassinado porque saiu da plantação e veio para a cidade", diz o delegado de Cabrobó, Aécio Francisco Coelho.
Segundo ele, os motivos dos crimes não são oficialmente estabelecidos porque não há quem tenha "coragem" de depor -"nem mesmo as viúvas e filhos".
Os agricultores, que em muitos casos fumam o que plantam, são recrutados por fazendeiros, que utilizam suas próprias terras, ou por traficantes que cultivam em terras devolutas, a maioria nas ilhas do rio São Francisco.
"Só descemos o rio em grandes operações, porque podemos ser alvejados pelos plantadores que estão dopados, armados e com medo da polícia", diz Coelho.
O acordo prevê divisão do dinheiro meio-a-meio entre o dono da terra e o grupo que cuida da lavoura, embora muitas vezes o dono da terra acabe impondo uma divisão menos igualitária.
Os fazendeiros e traficantes financiam a alimentação dos lavradores, as sementes, o agrotóxico e os adubos. Depois, abatem o investimento inicial na hora de pagar os trabalhadores.
"Há grupo de trabalhadores que recebe R$ 5,00 por quilo no final das contas", relata um traficante da região à Agência Folha. "Os agricultores vivem na escravidão."
O Polígono da Maconha, como é chamada a região produtora, tem como principais cidades Orocó, Cabrobó, Floresta, Belém do São Francisco e Salgueiro. Neste ano, segundo a PF, a região produziria 1,5 milhão de toneladas da droga.
Entretanto, a PF afirma ter destruído 2,7 milhões de pés, provocando uma queda na safra de um milhão de toneladas.
A região é a maior produtora do país, abastecendo 60% do mercado. Envia maconha para as capitais do Nordeste (exceto São Luís), Belém (PA), para Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal.
A maconha sai do polígono por R$ 50,00 o quilo. Chega aos traficantes paulistanos e cariocas por R$ 800,00 e aos consumidores, por R$ 1.600,00.

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