São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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Açúcar e álcool: novos desafios

ROBERTO DE REZENDE BARBOSA

A agroindústria canavieira vive um dos momentos mais importantes de sua história. No dia 1º de maio de 1997, entram em vigor a portaria 64, do Ministério da Fazenda, e a portaria 114, do Ministério das Minas e Energia.
Elas serão responsáveis pela liberalização de preços dos produtos da cana-de-açúcar e pela extinção do Fundo de Unificação de Preços do Álcool (Fupa) em todo o país. A ocasião é oportuna para um debate dos novos desafios com que terá de se deparar o segmento sucroalcooleiro.
É importante destacar, antes de mais nada, que tratar de açúcar e álcool é tratar de segmentos da maior importância econômica e social para a economia nacional. O setor sucroalcooleiro obteve um faturamento da ordem de R$ 8,7 bilhões no ano que passou, sendo responsável pelo emprego de 1 milhão de trabalhadores em todo o país.
O Brasil deverá colher, na safra que vai de maio de 1996 a abril próximo, 270 milhões de toneladas de cana-de-açúcar, um crescimento de 8% em relação à safra passada.
O segmento obteve, ainda, crescimento de produtividade da ordem de 3% ao ano nos últimos 15 anos, com ganhos que levaram à redução do custo do álcool pela adoção de novas tecnologias.
Essas conquistas foram obtidas apesar de inúmeras dificuldades. Nos últimos 20 anos, cresceu significativamente a defasagem entre custos de produção e preços. A excessiva interferência estatal em nada contribui para a revitalização do segmento, sujeito ao controle de preços, cotas de exportação, estoques, oferta e demanda etc. Como resultado, das 346 usinas que havia no país, 40 fecharam nos últimos anos. As dificuldades se agravaram em tempos recentes com a sobrevalorização cambial, as altas taxas de juros e os atrasos de pagamentos por parte da Petrobrás.
É fácil compreender, diante desse cenário, por que as dívidas se acumularam e por que há uma clara tendência de, mantidas as atuais condições, registrar-se queda nos níveis de emprego, na arrecadação de impostos e na área cultivada. Também não é difícil compreender por que são tão importantes as medidas do governo que trazem liberdade para a agroindústria da cana-de-açúcar.
Como previsto para o setor petrolífero, porém, há que fixar um período de transição para que o setor sucroalcooleiro se adapte à nova realidade.
Algumas medidas de maior relevância terão de ser adotadas. Em primeiro lugar, é necessário que se preserve a lei 8.723, que fixa em 22% o percentual do álcool anidro como aditivo da gasolina.
O potencial de crescimento da utilização do álcool como aditivo é dos mais significativos no país. Como as vendas de carros a álcool praticamente estagnaram, o crescimento da produção está concentrado no anidro. Outra medida importante é determinar a utilização de 5% de álcool anidro como aditivo do óleo diesel.
Outro aspecto relevante está em buscar garantias de que não faltará álcool hidratado para a frota que utiliza este combustível. É preciso assegurar os que ainda conservam veículos movidos a álcool de que a Petrobrás continuará comprando esse produto. É algo de que não se pode abrir mão, tendo em vista que ainda há 4,3 milhões de veículos movidos a álcool no país.
Também há que considerar com seriedade a criação da chamada "frota verde", que seria viabilizada a partir da fixação de incentivos para a produção e demanda.
Uma outra medida de importância capital está na fixação do chamado "imposto ambiental". O Sindicom propôs, com muito acerto, um aumento de 5% na cobrança de ICMS sobre a gasolina. É importante que se procure, também, zerar a incidência deste imposto sobre o álcool. Tal medida teria efeito compensatório, visando reconhecer os apelos ecológicos de uma "commodity" agrícola da importância do álcool.
Além dessas medidas de caráter estrutural, há que restabelecer a isonomia em relação ao tratamento dispensado ao setor sucroalcooleiro de todo o país, sem favorecimentos a qualquer Estado da Federação. A competitividade deve imperar no regime de liberalização.
Esse novo cenário tem tudo para propiciar um crescimento sem precedentes ao setor sucroalcooleiro. Para que se tenha idéia, o mercado mundial de açúcar é responsável pela produção de 120 milhões de toneladas anuais. Deste total, 30 milhões são comercializados entre países.
Estima-se para 1996 uma exportação açucareira em torno de 5,5 milhões de toneladas. Há muito espaço para crescimento ao longo dos próximos anos, em especial a partir da substituição de produção de álcool hidratado por açúcar.
É preciso, para que isso se confirme, que o setor se veja livre de todo o entulho burocrático que há anos o castiga.
Há que eliminar a fixação de cotas, de tarifas portuárias escorchantes, de contingenciamentos etc. Também precisamos oferecer contratos de longo prazo, com garantia de entrega e preços competitivos no mercado externo. Só assim podemos recuperar a credibilidade junto a investidores capazes de viabilizar a atividade.
É preciso que o sopro de renovação atinja indistintamente todo o setor sucroalcooleiro. Os tempos, hoje, são de liberdade e de busca permanente de novos patamares de competitividade. O segmento já deu mostra de sobra de que é capaz de obter índices crescentes de produção e de produtividade, contribuindo para a geração de empregos e para a fixação do homem no campo.
A entrada em vigor das portarias dos ministérios da Fazenda e das Minas e Energia merece ser saudada como um marco definitivo de ingresso em era de prosperidade e crescimento. O que não se pode aceitar são novos adiamentos ou retrocessos. Os desafios que apresentam, uma vez superados, apontam para um futuro de competitividade e de modernidade. Isso é tudo o que se deseja para um setor de tamanha importância para a economia nacional.

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