São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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A poesia sem trégua

DA REDAÇÃO

Há 40 anos, em 4 de dezembro de 1956, era inaugurada a Exposição Nacional de Arte Concreta, marco oficial do surgimento do concretismo brasileiro.
Pela segunda vez no século, São Paulo irradiava um movimento estético de grande impacto na cultura brasileira. À diferença da Semana de Arte Moderna de 1922, no entanto, o concretismo não ganharia ao longo destes anos a unanimidade alcançada pelo projeto encabeçado por Mário e Oswald de Andrade. Ele restaria como uma das últimas vanguardas brasileiras, com frequência assediado por discussões inflamadas e sempre propagando irritação e divisões apaixonadas, sobretudo quando o assunto é poesia e crítica literária.
Havia, contudo, mais artistas plásticos que poetas na exposição. Aqueles eram 21, estes apenas 6 -os paulistas Décio Pignatari, 29, Haroldo, 27, e Augusto de Campos, 25, os cariocas Wlademir Dias Pino, 29, e Ronaldo Azeredo, 19, e o maranhense (que vivia no Rio) Ferreira Gullar, 26. Foram os poetas que transformaram o concretismo em matéria polêmica.
A exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo durou 14 dias e teve repercussão discreta. O concretismo teria que aguardar a inauguração da mesma mostra no Rio de Janeiro, em fevereiro de 1957, até alcançar a opinião pública -o que ocorreria depois da consagradora visita do poeta Manuel Bandeira à exposição.
O termo "poesia concreta", aplicado às experiências realizadas pelos autores, surgira, pela primeira vez, em um artigo de 1955 de Augusto de Campos, referência direta à pintura concreta de Max Bill, um dos principais inspiradores do movimento.
Em linhas gerais, a poesia concreta eliminava o verso como elemento fundamental do poema, buscando dar à palavra a maior concentração possível. Explorava também os aspectos verbais, sonoros e principalmente visuais: buscava ser "verbivocovisual".
O movimento perturbava e fascinava pela maneira como afrontava as convenções estéticas e propunha um regime de racionalização e controle à arte e à poesia brasileira, propensa aos arrebatamentos subjetivos. Era a época "desenvolvimentista" de Juscelino Kubitschek. Seis anos antes fora instalada a primeira emissora de TV. A música liderava a crescente inquietação adolescente. Não foi à toa que, numa associação inaudita, a "Cruzeiro", revista de maior circulação, apresentou em 1957 o movimento daqueles jovens escritores como "O Rock'n'Roll da Poesia".
Foi a idade de ouro do concretismo. Pouco depois ocorreria a primeira gra0nde cisão. Em 1959, era publicado no "Jornal do Brasil" o "Manifesto Neoconcreto", que apontava a "perigosa exarcebação racionalista" do movimento. Ao neoconcretismo aderiram vários artistas plásticos, como Hélio Oiticica e Lygia Clark (que haviam participado das exposições de 56 e 57), e o poeta Ferreira Gullar, que não reataria mais com os concretistas paulistas.
Atualmente, os pioneiros do movimento já não se reconhecem como concretistas em sentido estrito, mas ressaltam a permanência de alguns de seus paradigmas críticos e literários. Paradigmas que ainda hoje são objeto de discussão nos meios literários e levaram a intelligentsia do país a dividir-se rigidamente entre adeptos e oponentes do poderoso triunvirato poético exercido por Décio Pignatari e os irmãos Campos -uma das influências mais firmes e duradouras já exercidas sobre a literatura brasileira.

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