São Paulo, domingo, 8 de dezembro de 1996
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O CHÁ, AGORA COM BOLO

Em julho de 97, quando completar cem anos, a Academia Brasileira de Letras estará, pela primeira vez, sendo presidida por uma mulher, a escritora Nélida Piñon, que toma posse no próximo dia 12. A escolha, segundo consenso dos atuais 40 "imortais", pode à primeira vista surpreender os menos avisados.
Trata-se da única mulher já eleita para esse tipo de cargo em todo o mundo. Considerando o perfil notoriamente conservador da instituição, a inovação parece auspiciosa.
Somente 80 anos após sua fundação é que uma mulher, Rachel de Queiróz, conseguiu penetrar esse panteão das letras nacionais.
Desde então, apenas Lygia Fagundes Telles e a própria Nélida foram acolhidas pela ABL. Poder-se-ia assim supor que a instituição já estaria entrando em sintonia com certas demandas da modernidade (no caso, oferecer iguais oportunidades para homens e mulheres).
Entretanto, as brincadeiras (mesmo as de gosto duvidoso) dizem um pouco de verdade. O ex-presidente da ABL Josué Montello lembrou que "mulher está na moda". "Então, vamos acompanhar a moda", referindo-se à razão do consenso criado em torno de Nélida.
A própria escritora, questionada sobre a vantagem de ser acadêmico, falou da "honra (...) de fazer parte de um plantel de notáveis, vivos e mortos", reforçando, conscientemente ou não, o caráter narcisista da Academia, bem como seu precário contato com o mundo externo. Lembrou ainda que, agora, um "bolo inglês" acompanhará o "chá das cinco" (talvez a prática mais notória da ABL). E, anacronicamente, condenou em alguns autores o "estranho conúbio" entre estética e mercado.
Aparências à parte, mais do que "a ascensão da mulher", a eleição de Nélida faz lembrar as mudanças que permitem deixar tudo como está.

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