São Paulo, segunda-feira, 9 de dezembro de 1996
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Gênio da chanchada retorna em 15 fitas

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Mesmo quem nunca viu uma chanchada pode imaginar, mais ou menos, o que é: comédia apressada, em geral com temas carnavalescos, malfeita, popularesca.
O lançamento da coleção "Grandes Sucessos da Atlântida", com 15 filmes da produtora carioca -começando por "A Dupla do Barulho"-, é uma mão na roda para quem pretenda passar do "mais ou menos" a alguma precisão sobre o mistério que a chanchada ainda é.
Como explicar que, entre fim dos anos 40 e início dos 60, esses filmecos em geral produzidos no Rio de Janeiro tenham conseguido um enorme sucesso de público, enquanto empreitadas ambiciosas, como a Vera Cruz, amargavam fracasso e falência?
Existia, para começar, a Rádio Nacional e seus artistas famosos, numa época em que o rádio dava as cartas, e aparelhos de TV eram uma raridade. O cinema era a melhor maneira de tornar esses cantores visíveis a seus fãs.
Existia também um exibidor esperto, Severiano Ribeiro. Primeiro, ele agrega uma companhia criada no início dos anos 40 por um grupo de intelectuais do Rio.
Depois, mata vários coelhos com uma cajadada só: 1) cumpre o precário decreto de proteção ao filme nacional existente na época; 2) monta a cadeia produção/distribuição/exibição (aquela, justamente, que a Vera Cruz não formou); 3) aproveita o Carnaval -época desprezada pelo filme americano- para lançar suas comédias musicais; 4) usa uma mão-de-obra não raro talentosa.
Daí, dois fenômenos convergentes: o sucesso desses filmes, notável sobretudo nas chamadas "classes C e D", e a ira dos críticos, cujas análises podem ser resumidas, não raro, em uma frase: chanchada devia ser censurada.
Não que não tivessem sua razão ao apontar a nulidade das chanchadas. Críticos gostam de "arte", elevação espiritual, essas coisas. Chanchada não é "arte". Por isso, foi preciso tempo para que seu valor e sua originalidade se mostrassem.
A chanchada pode não ser um cinema genial. Mas nelas se manifesta um gênio, um caráter muito especial que vem de sua circunstância. Ali estão o Brasil e sua gente, nosso subdesenvolvimento e nossa graça. Para a história, isso é que ficou. Agora, é conferir.

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