São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 1996
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Um acordo vergonhoso

LUÍS NASSIF

Na quinta-feira passada, São Paulo testemunhou um dos mais espúrios acordos políticos da sua história.
Para se ver livre de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a apurar suspeitas de superfaturamento em obras viárias, o prefeito Paulo Maluf acertou um acordo que deixa as verbas públicas sob controle dos chantagistas, e amarra completamente o primeiro ano de gestão de seu próprio candidato à sucessão, Celso Pitta.
As emendas individuais dos vereadores serão aceitas, e Pitta não terá o direito de remanejar 15% das verbas -flexibilidade essencial para garantir o mínimo de governabilidade em seu primeiro ano de mandato.
O primeiro ano da gestão Pitta foi para o vinagre.
Vereadores de baixíssimo nível, sob suspeita de manipularem verbas de regionais, de se articularem com fiscais, para o controle de esquemas de propinas, continuam oficialmente os donos do dinheiro dos contribuintes paulistas.
Ingratidão
Nas últimas eleições São Paulo proporcionou a Maluf sua ressurreição política. Superou velhas idiossincrasias, acreditou na visão de gestão profissional, por ele prometida, e conferiu a seu candidato vitória massacrante.
Qual a retribuição de Maluf? Para garantir seus próprios interesses, rifa o sucessor e a cidade para o que de pior existe na política local.
É a repetição da velha praga da política brasileira. Todas as ações do administrador são subordinadas ao atendimento dos seus interesses políticos imediatos.
Não se administra para o futuro, nem visando o reconhecimento a médio prazo. O que importa é faturar politicamente o presente e comprometer definitivamente a gestão do sucessor.
Quanto pior a herança, melhor será a comparação com sua gestão. Sua obra se destacará, perante a imobilidade do sucessor, e um eleitorado de baixo nível de informação continuará não sabendo estabelecer relações de causa e efeito -como ocorre com o próprio Estado de São Paulo hoje em dia.
Pouco importa se o sucessor é adversário político ou seu próprio secretário. Como pouco importa se a cidade será afetada decisivamente pela submissão à chantagem.
Contaminação
O acordo de Maluf com os "anões das regionais" é o fecho de um processo de aliciamento político que contaminou a vida política paulista de tal maneira, que levará anos até que seja saneado.
Para garantir plena liberdade para seu governo, inclusive para operações suspeitas -como a licitação para coleta do lixo, ou as suspeitas de superfaturamento nas obras viárias-, Maluf firmou acordos que conferiram poder extraordinário a esquemas pesadíssimos.
Com base nesses acordos, os vereadores lograram votações maciças, em cima do mais baixo fisiologismo.
Sem Câmara para fiscalizar, com o Tribunal de Contas do Município cooptado, e com a imprensa mais preocupada com temas nacionais, São Paulo ficou à mercê dos "anões".
Mas é bobagem Maluf acreditar que foi esperto com esse acordo.
O acordo o livra da CPI. Não o livra das suspeitas de superfaturamento.
Mostra que, apesar de todo o jogo de cena, o malufismo continua não comportando racionalidade nem trabalho profissional.
Pitta foi escolhido a dedo, para simbolizar a nova era do malufismo. E, em sua primeira tentativa de trabalhar a sério, é atropelado pelo próprio Maluf.
Pitta
Na sexta-feira, Celso Pitta ligou para a coluna para reafirmar que não cederá aos chantagistas.
Fará bem em aprender as lições do episódio e aproveitar sua falta de vinculações políticas, e sua vontade de inovar, para livrar definitivamente a administração pública do loteamento político.
Subdividir as regionais em sub-regionais, permitir eleição direta dos administradores, implantar programas de qualidade na administração pública, submeter as repartições ao controle do público, implantar orçamentos participativos, será a contrapartida lógica.
Pitta deve o quanto antes procurar governar com a cidade, para libertá-la dessas práticas políticas medievais.

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