São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 1996
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Fanzines - Por que são como são

FERNANDA TEIXEIRA
FREE-LANCER PARA A FOLHA

Um quartinho espremido, grafitado com a imagem da personagem Valentina, do desenhista Guido Crepax. De um lado, o computador, a impressora, o scanner e a secretária eletrônica que atende ao som do rock underground da banda brasileira Pin-Ups.
Uma escrivaninha com pilhas de correspondência, manuais de redação e estilo, livros de gramática e revistas estrangeiras se misturam na estante a exemplares de James Joyce, Nabokov e Albert Camus. Tem de tudo, até caixa de preservativo.
Nessa "batcaverna", como gosta de chamar, o revisor de texto de legendas de filmes Edhson FM, baiano, 31 anos, leva a sério o ofício de fanzineiro.
"Fanzine é coisa de quartinho", diz ele. "É uma grande rede subterrânea, onde todo mundo publica, troca idéias, divulga seu trabalho." Enquanto mergulha na próxima edição de seu zine, trancafiado em sua casa em Osasco (SP), em outros lugares do Estado, do país e do mundo, milhares de fanzineiros levam a mesma vida.
Via correio, telefone, fax ou Internet, a moçada vai ampliando o círculo. Tudo funciona graças a um mundaréu de pessoas cheias de boa-vontade e uma pá de coisas para dizer, digo, escrever.
Fanzines são pequenos boletins produzidos por garotos e garotas que vivem o processo de trabalho solitário de abrir um canal de comunicação exclusivo. Solitário porque seus editores se encarregam de fazer tudo, contando, às vezes, com um ou dois assistentes.
Falam muito de música (basicamente rock e hardcore), história em quadrinhos, cinema, TV, ficção científica, sexo, literatura e outros temas específicos.
Geralmente, publicações alternativas, de periodicidade indefinida, pequena tiragem e impressão artesanal. São veículos livres de censura.
O próprio nome já entrega sua definição: é um neologismo formado pela contração de duas palavras inglesas, fanatic + magazine, que quer dizer magazine do fã.
Titãs, Barão Vermelho, Patu Fu, Viper, Raimundos, Ratos de Porão, Sepultura... "A fita demo desses caras passou pelos zines antes de chegar aos jornais e às rádios", garante Edhson, que realiza há quatro anos a mostra Magnet, para promover o intercâmbio de fanzineiros.
Também mordida pelo bichinho do fanzine, a gaúcha Fernanda Furquim, 29, divide seu tempo em Porto Alegre entre o trampo como relações públicas e a confecção bimestral de seu "TV Land", só sobre seriados de TV. Com mais de cem assinantes, o zine tem home page na Internet, versão em inglês e espanhol e é vendido a R$ 15,00 (o fanzine de artigo) e R$ 12,00 (o guia de episódios das séries).
"TV Land" traz entrevistas com astros internacionais, como o ator Jonathan Harris, o Dr. Smith, de "Perdidos no Espaço", feita via on line.
"Tem gente da Europa e dos Estados Unidos mandando mensagem. Recebemos e-mail da França e de Portugal, principalmente", diz ela, que, pequena, já era fã de "Jornadas nas Estrelas" e das séries de Irwin Allen ("Viagem ao Fundo do Mar", "Túnel do Tempo", "Terra de Gigantes"). Desde setembro na Internet, o "TV Land" já conta com 670 visitantes.
Como Fernanda, o paulista Custódio Jr., 19 anos, também navega pela rede com seu "Esquizofrenia", especializado em música independente.
Animado, conta que sua publicação, hoje impressa em xerox, sairá em papel jornal, com uma tiragem que passa de 300 para 3.000 exemplares. "Graças a um patrocínio que me permite bancar a gráfica, a partir de maio de 97 o jornal será gratuito" (hoje custa R$ 2).
Custódio concorda com Edhson FM quando o assunto é antecipar a notícia. "Já em maio de 96, a capa da nossa edição nº 8 era a banda sueca Cardigans, que só agora ganha espaço na grande imprensa." Ao contrário do "TV Land", "Esquizofrenia" não tem periodicidade definida. Coisas do glamour marginal.
"Fanzine é um intercâmbio de amizade", diz Custódio. "Mesmo sem nos conhecer, somos uma comunidade." Mas o grande barato de fazer zine é conhecer um monte de gente, brincar de ser editor e ter o tesão de escrever.

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