São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 1996
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703 dias, e nada

RUI NOGUEIRA

Brasília - Finado há 11 anos, o regime militar continua íntimo da sociedade em pelo menos um aspecto, o da segurança pública. Mais armas, mais treino, mais homens, mais carros e tutano de menos. Dita regra a proteção do poderoso e a tática guerreira do combate ao crime. No extremo desse vezo, a tortura nos fundos da delegacia.
Em Guaçuí (ES), município de 30 mil habitantes, é diferente. Um prefeito à esquerda -ex-AP, ex-exilado, ex-simpatizante do Partidão e hoje no PV- e um capitão da PM -que entende tanto de segurança quanto de direitos humanos, qualidade total e produtividade no serviço público- são os pais da revolução na cidade.
O prefeito Luiz Ferraz Moulin, 47, sociólogo e economista formado pela Sorbonne, entrou com a vontade de mudar e a teoria cimentada numa frase de Maquiavel: "O povo conspira com quem o protege".
O capitão Júlio César Costa, 33, entrou com o estudo da única coisa que lhe interessa na vida: polícia a serviço da população.
Juntos, "comunitarizaram" a PM de Guaçuí. Diferente de municipalizar. Na prática do capitão, a teoria do prefeito funciona sob o lema de que "o crime não se combate, se controla". A "comunitarização" está nas mãos do Conselho Interativo de Segurança Pública, com quatro dezenas de pessoas que representam 23 entidades.
Dúvidas e denúncias para investigação, feitas de público, têm de ser respondidas em 48 horas. Os PMs, os mais bem pagos do Brasil (R$ 700, em média) ganham um adicional mensal por produtividade -R$ 100 para o primeiro colocado e R$ 80 para o segundo. Botas sujas, camisa amarrotada e carro sujo tiram pontos na avaliação individual. Ação violenta e injustificada tira mais pontos ainda.
Tantos que a mentalidade da PM de Guaçuí mudou. A ponto de poder comemorar 703 dias sem um ato violento contra a população e a criminalidade reduzida em 50%. A polícia de Washington, técnicos das Nações Unidas e de vários Estados brasileiros já passaram por lá.

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