São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 1996
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Machado faz narrativa em ziguezague

FRANCISCO ACHCAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

O romance "Memória Póstumas de Brás Cubas" (1881) representa um marco decisivo tanto no desenvolvimento da obra de Machado de Assis, quanto na evolução da literatura brasileira.
É tido como nosso primeiro romance realista, mas ele é mais que isso: é a primeira narrativa fantástica do Brasil e a primeira obra da literatura brasileira que ultrapassa os limites nacionais, pois é um grande romance universal.
Brás Cubas, o narrador, está morto, e é dessa perspectiva extraordinária (daí o caráter fantástico do livro) que ele nos relata sua vida e nos dá um quadro de sua classe social e do mundo em que viveu, tudo num estilo ziguezagueante, com o à vontade de um morto caprichoso e debochado, sem qualquer compromisso com os formalismos da vida -seja os formalismos das relações sociais, seja os da narrativa literária.
O livro é imensamente divertido e pode-se lê-lo, com prazer, de diversas formas e com diversos interesses: seja pelo gosto da história, contada com comicidade e irreverência; seja pela forma da narrativa, cheia de surpresas e desenvolvida (ou desmontada) por meio de um vaivém constante (começa pela morte do protagonista, pula para o seu nascimento e prossegue com muitos saltos); seja ainda pela representação corrosivamente irônica de um mundo social parasitário (a "alta sociedade" do Segundo Império), mundo do qual o narrador -um completo parasita- é o perfeito representante.
Por trás de tanto bom humor, contudo, está uma perspectiva desencantada (o famoso pessimismo machadiano) que, pondo a nu as estruturas daquela sociedade, deixa visível o esqueleto que suporta as forma das vida e da arte.

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