São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Férias para as leis

JANIO DE FREITAS

Por mais interessante que seja como expressão das novas realidades brasileiras, a proibição de que barqueiros de Fernando de Noronha aluguem barcos a jornalistas, enquanto lá estiver em férias Fernando Henrique Cardoso, é, mais do que um abuso ilegal, um cerceamento a direitos individuais próprio de ditaduras.
O traço hoje mais característico do jornalismo brasileiro, em comparação com o praticado no resto do mundo, é o cretinismo que o leva, entre outras coisas, a seguir por toda parte, o tempo todo, qualquer integrante do poder. Sem proveito algum para o leitor e sem outro resultado que a exibição, tantas vezes a alto custo, da mediocridade satisfeita com sua falsificação do jornalismo. Daí não se passa, porém, à violência da proibição fernandista.
A começar do enxame de guarda-costas sempre presente, são muitos os meios de proteção utilizáveis pelos notórios que não querem (ou não podem) ter contato com cidadãos comuns. O mais honesto, aliás, é não chatear a vida alheia e ficar onde perturbe a vida normal. Fernando Henrique, por exemplo, é dono, entre outros bens e por artes tanto da política como de Sérgio Motta, de uma fazenda capaz de lhe proporcionar isolamento com o melhor conforto.
Em vez disso, as férias presidenciais estão transformadas em um festival de arbitrariedades. Desde que barqueiros e jornalistas não infrinjam a lei, a proibição que lhes foi imposta é uma violência estúpida. E não é outra coisa a relação de restrições aos habitantes e turistas presentes na ilha. Estes, havendo contratado há tempos sua viagem, sem saber que teriam a companhia de poderes ditatoriais, foram de repente surpreendidos com a notícia de que suas praias prediletas só podiam ser frequentadas pelos portadores do privilégio: as praias tornaram-se exclusivas de Sua Excelência e aparentados. Três praias para, é o que o governo divulga, sete pessoas.
Sete, pode ser. Mas o que a comitiva de Fernando Henrique tem, mesmo, são 40 pessoas, pelo menos. O que exigiu o vôo para a ilha, preparando a hospedagem da corte, de três aviões com carga (não contados os vôos de transporte da nobreza e acólitos).
O deslumbramento é muito engraçado. Mas não precisa ser violento, nem despudorado, nem tão caro -qualidades que só se combinam nos regimes em que as noções de direito, de correto, de ético não valem mais nada.

Texto Anterior: Distributivismo e racionalidade
Próximo Texto: Seca obriga paraibanos a consumir água lamacenta
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.