São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Globalização e inserção nacional

LUIZ GONZAGA BELLUZZO

São muitos os que defendem, desde uma posição supostamente "científica", a inevitabilidade de uma inserção passiva das economias nacionais no chamado processo de globalização.
Dois pressupostos estão implícitos nesta formulação: 1) a globalização conduzirá à homogeneização das economias nacionais e à convergência para o modelo anglo-saxão de mercado; 2) esse processo ocorre de forma impessoal, acima da capacidade de reação das políticas decididas no âmbito dos Estados Nacionais.
Para não comprar material de "desmanche" ideológico, seria conveniente relembrar que o processo de globalização, sobretudo em sua dimensão financeira -de longe a mais importante-, foi o resultado das políticas que buscaram enfrentar a desarticulação do bem-sucedido arranjo capitalista do pós-guerra.
As decisões políticas tomadas pelo governo americano, ante à decomposição do sistema de Bretton Woods, já no final dos anos 60, foram ampliando o espaço supranacional de circulação do capital monetário. A política americana de reafirmar a supremacia do dólar acabou estimulando a expansão dos mercados financeiros internacionais, primeiro por meio do crédito bancário -euromercados e "off shores"- e mais recentemente por meio do crescimento da finança direta.
Paradoxalmente, as tentativas de assegurar a centralidade do dólar nas transações internacionais ensejaram o surgimento de um instável e problemático sistema plurimonetário com paridades cambiais flutuantes.
Essas grandes transformações nos mercados financeiros ocorridas nas últimas duas décadas estão submetendo, de fato, as políticas macroeconômicas nacionais à tirania de expectativas volúveis. Não foram poucos os ataques especulativos contra paridades cambiais, os episódios de deflação brusca de preços de ativos reais e financeiros, bem como as situações de periclitação dos sistemas bancários.
Até agora, essas situações foram contornadas pela ação de última instância de governos e bancos centrais da tríade (Estados Unidos, Alemanha e Japão). Apesar disso, não raro, até mesmo países sem tradição inflacionária foram submetidos a crises cambiais e financeiras, cuja saída exigiu sacrifícios em termos de bem-estar da população e renúncia de soberania na condução de suas políticas econômicas.
A inserção dos países nesse processo de globalização, longe de ter sido homogênea, foi, ao contrário, hierarquizada e assimétrica. Os Estados Unidos, usufruindo de seu poder militar e financeiro, pode se dar ao luxo de impor a dominância de sua moeda, ao mesmo tempo em que mantém um déficit elevado e persistente em conta corrente e uma posição devedora externa.
Japão e Alemanha são superavitários e credores e, por isso, têm mais liberdade para praticar expansionismo fiscal e juros baixos, sem atrair a desconfiança dos especuladores. Alguns tigres asiáticos, pelas mesmas razões, também dispõem de certa margem de manobra para promover políticas expansionistas.
O que é decisivo para a autonomia das políticas nacionais é a forma e o grau de dependência em relação aos mercados financeiros sujeitos à instabilidade das expectativas. Países com passado monetário turbulento precisam pagar elevados prêmios de risco para refinanciar seus déficits em conta corrente. Isso representa um sério constrangimento ao raio de manobra da política monetária, além de acuar a política fiscal pelo crescimento dos encargos financeiros nos orçamentos públicos.
Além disso, do ponto de vista comercial, a "inserção internacional" dos países corresponde a padrões muitos distintos. Enquanto uns são protagonistas ativos na expansão do comércio internacional, mantendo taxas de crescimento de suas exportações acima da média mundial, outros ajustam-se passivamente, perdendo participação nos mercados.
Essa é a lição que nos oferece a decantada globalização: os países que buscaram preservar um espaço para as suas políticas macroeconômicas são capazes de sustentar taxas reais de juros baixas, administrar taxas de câmbio estimulantes e promover o avanço industrial e tecnológico, garantindo, assim, o robustecimento de seus grupos nacionais privados.

Texto Anterior: 1996, o ano que não acabou
Próximo Texto: Iene chega a menor valor em 44 meses
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.