São Paulo, quinta-feira, 8 de fevereiro de 1996
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Bienal deverá trazer gravuras de Goya

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Fundação Bienal está negociando com o Museu do Prado o empréstimo de um conjunto representativo das estimadas 280 gravuras de Goya, de quem se comemora os 250 anos de nascimento.
Francisco de Goya y Lucientes (1746-1828) será assim, a partir de outubro, um das atrações da 23ª Bienal Internacional de São Paulo.
Nelson Aguilar, curador-geral da mostra, disse estar sobretudo interessado, em suas negociações com o museu espanhol, na qualidade de tiragem das obras gráficas do artista.
Cada gravura ou litografia foi objeto de em média 40 cópias na primeira tiragem. São esses os exemplares que a 23ª Bienal pretende obter.
"As gravuras de Goya têm uma relação muito forte com a arte moderna", diz Aguilar. "Elas transformam a realidade em fantasma."
Ele também constata que "Goya foi uma espécie de avô de todos os grandes artistas plásticos deste século; foi um grande ancestral da arte contemporânea".
A contemporaneidade, afirma, não tem data, "porque a arte supera o parâmetro espaço-tempo".
Goya é conhecido, antes de mais nada, pelo ressurgimento que representou na pintura espanhola, relegada durante um século -após Velazquez- à condição de reprodução mecânica e pouco original dos parâmetros estéticos franceses e italianos.
Mas foi um ressurgimento ocorrido no campo de uma batalha estética que se travava em outros centros europeus de produção de pintura, como na França em oposição ao neoclassicismo de David.
Por muito tempo prevaleceu a idéia de que Goya surgiu apenas como o produto da versão espanhola do Iluminismo, justamente pelos temas -oposição ao clericalismo oficial, à inquisição e às superstições populares- que frequentam seus trabalhos.
É isso e bem mais. Goya foi o primeiro a diluir em cores acinzentadas ou pendendo para o ocre formas que a estética figurativista dos neoclássicos desejava manter, com o objeto retratado, a mais estreita relação de verossimilhança.
É o caso da antropomorfia de uma tela como "Saturno Devorando um Filho" ou do segundo plano, o da natureza, da tela "Visão Fantástica".
Para efeitos do grande público, Goya foi sobretudo a ousadia sensual de "A Maja Desnuda" e sua contrafação pudica, "A Maja Vestida", telas que alimentaram a lenda de que o pintor retratara a duquesa de Alba, objeto de sua mais incandescente aventura amorosa.
Em termos de nacionalismo, Goya se mostra por telas como "O Dois de Maio de 1808" e "O Três de Maio de 1988", o primeiro com uma cena de combate urbano entre tropas napoleônicas invasoras e os resistentes espanhóis e o segundo com o fuzilamento de patriotas por pelotões franceses.
Pintor da corte e retratista da nobreza -funções que exerceu sem maiores pruridos antioficialistas-, Goya se torna um homem verdadeiramente livre quando se dispõe tornar seus trabalhos multiplicados numericamente para chegar ao maior número possível de olhares.
Foi de início uma opção econômica: ele queria -e não conseguiu com essa parcela de sua produção- ganhar dinheiro.
Mas involuntariamente inventou a gravura como opção simplificadora da grande arte (prevalece a monocromia em oposição à policromia dos óleos sobre tela) e "popular".

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