São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 1996
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As leis no lixo

JANIO DE FREITAS

Se é verdade que o exemplo vem de cima, estamos todos liberados para mandar às favas, ou a outros destinos mais populares, as leis a que nos submetemos contrariados. Obedecer às leis é atitude antiga, dos que "torcem pelo atraso", agora mais facilmente identificáveis por este cacoete incompatível com a modernização.
Nem os proponentes e signatários do acordo entre oito sindicatos patronais e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo ousaram negar que transgridem a Constituição e a Consolidação das Leis do Trabalho, ao estabelecerem, por ato de sua vontade, que empresas ficam dispensadas de recolher vários encargos sociais, entre eles o FGTS, e de respeitar direitos trabalhistas. Em países fuleiros, a combinação formal e pública para descumprimento da Constituição e das leis seria considerada ato criminoso e tratada como tal.
No Brasil, já entrado na modernidade peessedebista, é o próprio presidente da República que "vê com satisfação" o ato inconstitucional e ilegal, declarando-se desejoso de que outros sigam o exemplo tão "positivo".
Talvez valessem a pena alguns parágrafos sobre a responsabilização penal de incentivos a práticas identificadas como ilegais. Seriam, porém, lembranças originárias de tempos atrasados. Pode-se ficar só com o registro de que as lembranças não incluem qualquer presidente que chegasse a incentivar o desrespeito à Constituição e às leis. Ou seja, que incorresse neste caso de "impeachment".
Não se trata de fato isolado, porém. Há razão para deduzir que é uma postura de governo. O ministro do Trabalho, Paulo Paiva, cometeu o mesmo estímulo. E não se contentou em fazê-lo verbalmente. É da sua lavra uma portaria também sem precedentes, que caracteriza outra conivência com a ilicitude e não menos passível de processo penal do que a anterior.
Seria inacreditável, não estivéssemos onde estamos no tempo e no espaço: fiscais trabalhistas estão impedidos de multar as empresas que transgridam leis em função de algum acordo, neste sentido, com sindicatos de empregados. Como se explica que fiscais sejam forçados a fechar os olhos diante de ilegalidades e deixar de cumprir a função pela qual são remunerados pelo Tesouro Nacional?
A questão pode ser interessante, mas é de toda a conveniência que seja respondida por políticos, jornalistas e juristas afinados com o governo e com o presidente. Tal como a Constituição e as leis, as verdades não fazem parte da "modernidade".
Frases aqui também
Do ministro Bresser Pereira: "Eu estou ajudando o deputado Moreira Franco a fazer o relatório, o meu pessoal está ajudando". O relatório é o do projeto de falsa reforma administrativa. E o Moreira Franco é o parlamentar escolhido a dedo para cumprir com dignidade a independência do Poder Legislativo.
De Marco Aurélio Alencar, secretário de Planejamento fluminense e, sobretudo, filho de Marcello Alencar, sobre a privatização acelerada do Banerj até o fim do ano: "Estamos pensando em separar a parte boa, que será vendida, da ruim, que ficará com o Estado". Não é preciso dizer em que parte estão os imóveis de propriedade do Banerj, entre os quais uma cobiçada área na av. Paulista, de preço inigualável.

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