São Paulo, quarta-feira, 14 de fevereiro de 1996
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O aumento do "custo Brasil" na reforma previdenciária

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

É de se elogiar até o presente momento o admirável trabalho do governo para conformar um projeto de emenda constitucional de consenso entre parlamentares, sindicalistas e sociedade capaz de reduzir as responsabilidades pecuniárias da União na área da seguridade. O diálogo, sinal maior de uma democracia amadurecida, foi levado à exaustão, com seriedade, merecendo o governo, sob esse aspecto, o respeito dos cidadãos.
Há, todavia, na proposta governamental, algo que preocupa, a saber: a possibilidade real de considerável aumento da carga fiscal, isto é, de se fazer uma reforma tributária por vias indiretas, elevando o "custo Brasil".
Desde que o Supremo Tribunal Federal julgou a constitucionalidade da contribuição social sobre o lucro (RE 146.733-9), a jurisprudência se pacificou no sentido de considerá-la um tributo. O ministro Moreira Alves, relator do Recurso Extraordinário, afirma categoricamente, em seu voto:
"Sendo, pois, a contribuição instituída pela lei 7.689/88 verdadeiramente 'contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social', com base no inciso I do artigo 195 da Carta Magna, segue-se a questão de saber se essa contribuição tem ou não natureza tributária em face dos textos constitucionais em vigor. Perante a Constituição de 1988, não tenho dúvida em manifestar-me afirmativamente" ("Caderno de Pesquisas Tributárias" nº 17, Co-ed. Resenha Tributária/Centro de Extensão Universitária, SP, 1992, p. 536).
Ora, a espécie tributária "contribuição social", na atualidade, só pode incidir sobre salários, faturamento e lucro de empregadores, sobre concurso de prognósticos e sobre outras fontes que não tenham base de cálculo ou fato gerador iguais aos dos impostos existentes, não podendo ser cumulativa (artigos 195, incisos I, II e III, parágrafo 4º, e 154, inciso I).
Ora, na proposta do governo, além dessas contribuições são introduzidas mais as seguintes:
1 - de empresas em geral, mesmo sem empregados;
2 - de entidades que venham a ser equiparadas a empresa, por ficção, mesmo sem empregados;
3 - sobre receita de entidades 'que não faturem';
4 - sobre o valor das transações financeiras, sem limites.
Nesse alargamento considerável do poder impositivo da União em matéria previdenciária é de se considerar, principalmente, os dois últimos pontos.
Pela introdução da palavra "receita" no texto supremo, conforme declarações do deputado Euler Ribeiro, qualquer operação mercantil ou não, que gere recursos, será tributada, independentemente de sobre tais receitas incidirem outros impostos.
Talvez por essa razão é que na redação original do parágrafo 4º do artigo 195 retirava o referido parlamentar a necessidade de lei complementar para criar novas fontes de receita idênticas às dos impostos, tendo reintroduzido a limitação na última versão do relatório.
É que, de rigor, compreendeu que se o vocábulo "receita" hospedar qualquer tipo de ingresso o dispositivo que o introduziu é suficiente para permitir a cobrança simultânea de contribuições e impostos sobre o mesmo fato gerador, como já ocorre com a contribuição social sobre o lucro, que tem, como núcleo de sua base de cálculo, aquele do imposto sobre a renda.
Por outro lado uma contribuição social sobre as transações financeiras, cuja alíquota seja definida em lei, é algo fantasticamente mais perigoso que o IPMF ou a contribuição proposta pelo ministro Jatene, pois em ambos havia previsão de alíquota máxima, ou seja, a de que não poderiam ser superiores a 0,25%. Ora, no projeto do governo caberá à lei ordinária definir as alíquotas, que poderão ser majoradas 'sem qualquer teto previsto na lei suprema' para entrar em vigor 90 dias após.
Ao pretender tirar garantias essenciais do contribuinte insertas na lei máxima o governo abre campo ilimitado para o aumento da carga tributária, reformulando o sistema fiscal não com o projeto de reforma tributária, mas com o projeto de reforma previdenciária.
Lembrando que hoje a receita de contribuições sociais é aproximadamente idêntica à dos demais tributos da União, mister se faz reflexão maior sobre a proposta do governo, que, em última análise, em vez de reduzir o "custo Brasil", pretende aumentá-lo.

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