São Paulo, segunda-feira, 26 de fevereiro de 1996
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Pacto agrário une fazendeiro e sem-terra

JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM IGUARAÇU

A Prefeitura de Iguaraçu, no norte do Paraná, fez um pacto com fazendeiros e bóias-frias para realizar uma "reforma agrária" alternativa no município.
Implantado há três anos pelo prefeito João Batista Beltrame (PTB), 43, o projeto Terra Solidária utiliza áreas destinadas à reciclagem de pastagens pelos fazendeiros para fazer com que famílias de bóias-frias se dediquem à produção de algodão.
Beltrame disse que a dificuldade inicial foi convencer os fazendeiros a ceder áreas para o projeto. Mas, hoje, o processo se inverteu, e são os fazendeiros que procuram a prefeitura para oferecer áreas.
Os lavradores do projeto conseguem aumentar a renda familiar e melhorar as condições de vida. O prefeito diz que o objetivo é "resgatar a cidadania dos bóias-frias, que vivem um processo de perda da identidade".
Com o projeto, o bóia-fria mantém seu trabalho normal e cuida da lavoura nas horas vagas e fins-de-semana. "É como uma poupança: com o trabalho diário ele se alimenta, com a renda da colheita ele investe na melhoria da sua condição de vida", disse o fazendeiro Henrique Perez, que aderiu ao projeto no segundo ano.
Implantação
Na safra 93/94, primeiro ano do projeto, cada uma das 18 famílias de bóias-frias envolvidas teve uma renda líquida de US$ 1.512 durante o ciclo da cultura -seis meses entre o preparo do solo e a colheita. Nesse valor já foi descontado o ressarcimento dos insumos recebidos.
Mensalmente, a média por família foi de 3,88 salários mínimos (o salário mínimo na época equivalia a cerca de US$ 65). No projeto-piloto foram usados 31,34 hectares, cedidos pelo produtor rural Francisco Fraccaroli, maior proprietário individual de terras no município, com 1.945,6 hectares.
Na safra 94/95, o número de famílias subiu para 19, e a renda média mensal caiu para 3,03 salários mínimos, com o salário em US$ 80,00. A renda líquida média foi de US$ 1.452,70 por família.
O rendimento extra obtido pelas famílias é expressivo se comparado com o preço da diária de um bóia-fria na região. Desde 1993, o preço da diária estagnou entre R$ 5,00 e R$ 6,00 -o que não chega a dar 1,5 salário mínimo por mês para cada lavrador.
Na atual safra 95/96, o número de famílias de bóias-frias no projeto subiu para 25 e a área passou para 41,14 hectares no total.
O prefeito Beltrame disse que o número de hectares e famílias envolvidas só não foi maior em razão dos problemas que o Plano Real trouxe à agricultura. "Para a próxima safra de verão, o projeto terá uma área muito maior", afirmou. A prefeitura já tem oferta de 170 hectares para o projeto.
As áreas destinadas ao plantio são distribuídas às famílias em lotes de 1,5 hectare. No lote, o trabalho é feito pelo grupo familiar. Uma área de produção coletiva gera recursos destinados a um fundo comum, aplicado na compra de insumos da safra seguinte.
Depois de dois anos de cessão, o fazendeiro recebe de volta a terra reciclada, plantada em pastagens e com o reflorestamento das matas próximas a nascentes e córregos.
"O importante do Terra Solidária é que não existe paternalismo", disse Beltrame. Todos os custos de produção são contabilizados e, após a venda da safra, pagos pelos bóias-frias ao fundo rotativo, administrado pelo Conselho Municipal de Solos.
No início do projeto, Beltrame nomeou para o conselho representantes de diversos setores da sociedade local. Foi a comunidade que garantiu o empréstimo de tratores e implementos: "Tudo foi pago. Quem emprestou um trator recebeu o equivalente em horas com o trabalho das máquinas da prefeitura", afirmou Beltrame.
Neste ano, a prefeitura conseguiu, com verbas do governo do Estado comprar um trator e equipamentos para o projeto.
Para a cessão de áreas, fazendeiros e prefeitura firmam um contrato de comodato, com as condições da cessão explicitadas.
Segundo o prefeito, o comodato foi a maneira "encontrada para legalizar o projeto, vencendo a resistência dos fazendeiros". No contrato, além de a prefeitura entrar como comodatária, o fazendeiro tem a garantia de dois fiadores do Conselho Municipal de Solos.

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