São Paulo, quarta-feira, 28 de fevereiro de 1996
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Países podem ter a bomba

RICARDO BONALUME NETO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Brasil ou Argentina, ou Brasil e Argentina juntos, poderiam fazer uma bomba atômica se quisessem. A hipótese soa absurda política ou militarmente -ainda mais com os dois países cooperando para produzir uma "bomba latina"-, mas é factível em termos tecnológicos.
Faz meio século que os americanos inventaram as armas atômicas. Hoje, qualquer país que saiba operar um reator nuclear poderá começar a tentar fazer uma bomba. Um reator nuclear não passa de uma bomba atômica controlada. Estudantes "cdf" de física podem projetar a sua bomba em casa.
Os principais vencedores da Segunda Guerra Mundial têm bombas nucleares -EUA, Rússia (ex-URSS), França, Reino Unido e China. Já existem -o que nem sempre é admitido oficialmente-, as bombas hindu (da Índia), islâmica (do Paquistão), judaica (de Israel). A África do Sul esteve perto de fazer a "bomba apartheid".
Quando o Brasil fez o acordo nuclear com a Alemanha, de 1975, prevendo a construção de oito reatores ainda no papel, nenhum dos dois países latino-americanos poderia sequer começar a projetar a bomba. Hoje, eles já reuniram o conhecimento e, principalmente, os recursos humanos capazes de um projeto desse tipo.
Felizmente para a história do continente, as relações entre os dois países evoluíram para a boa vizinhança. O que teria acontecido se as tecnologias disponíveis hoje estivessem acessíveis aos chefes de Estado na época da crise da hidrelétrica de Itaipu, nos anos 70? Ou durante a Segunda Guerra?
O Brasil só enviou uma divisão de infantaria para a Europa porque temia um ataque argentino ao Rio Grande do Sul. Os argentinos eram ainda mais simpatizantes da Alemanha e Itália do que o eminentemente pragmático Getúlio Vargas.
Essa rivalidade serviu para dar o pontapé inicial nos programas nucleares dos dois países, ainda na década de 50. O programa argentino foi melhor gerenciado que o brasileiro. Nem seria muito difícil sê-lo. O acordo de 75 incluía a compra de uma tecnologia de enriquecimento de urânio (o "jato centrífugo") que nem existia.
As críticas da comunidade científica brasileira ao acordo encheriam volumes. Parte dessa comunidade terminou se associando à Marinha para desenvolver o ciclo nuclear. Deu certo. Tecnologia e recursos humanos existem. Se algum governo do século 21 quiser fazer uma bomba, vai ser possível.

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