São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
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Pela volta do risco

CELSO PINTO

Um golpe de R$ 5 bilhões, como o do Banco Nacional, é espetacular o suficiente para atrair as discussões sobre as culpas de quem fez, quem sabia e não fez nada e quem deveria saber e não soube.
Tudo isso é importante, mas não deve eliminar outra discussão igualmente relevante para o futuro. Será que o modelo de intervenção no Banco Nacional é o mais adequado?
Afinal, nem mesmo os mais otimistas no mercado financeiro apostam um CDB (Certificado de Depósito Bancário) em que desapareceu o risco de quebras.
Na verdade, a revelação do tamanho e da mecânica da fraude no Banco Nacional reavivou a cautela dos bancos.
Um banco de pequeno porte, por exemplo, decidiu suspender suas operações e reforçar o caixa, preparando-se para turbulências à frente.
Se aumentar a seletividade, a liquidez de alguns bancos vai sofrer. Ninguém que leia atentamente os recentes balanços de bancos acha que os problemas, ou mesmo a maquiagem, acabaram depois dos casos Econômico e Nacional.
É relevante discutir a forma de intervenção no Nacional porque, mais do que uma solução específica, ela foi feita para ser entendida pelo mercado como um paradigma.
A mensagem central, clara como o dia, é a seguinte: quem tiver dinheiro em banco grande, pode ficar tranquilo que o governo garantirá.
No caso do Econômico, esta mensagem não era evidente. Ao intervir no banco e fechar seus guichês em agosto do ano passado, o governo criou uma dúvida entre depositantes e investidores sobre o futuro do seu dinheiro -dúvida que só acabará quando e se o Econômico for vendido.
Essa dúvida aumentou o nervosismo no mercado e levou o Banco Central a encontrar uma fórmula diferente no caso do Banco Nacional.
Criou o Proer -uma linha de crédito para ajudar o processo-, ampliou os poderes do Banco Central para obrigar os controladores de bancos em dificuldade a ceder o controle, e encontrou um comprador para a parte boa do Nacional.
A principal vantagem desse modelo, segundo o Banco Central, é que deu tranquilidade aos depositantes e aplicadores, já que o dinheiro foi integralmente garantido e o acesso a ele jamais foi interrompido.
Para um mercado nervoso com a possibilidade de outras quebras, e povoado de boatos, esta teria sido uma maneira de evitar o chamado "risco sistêmico", ou seja, o risco de haver uma sequência de quebras com um custo muito alto para a economia.
Até aí tudo bem. A questão é discutir os custos deste modelo e saber se não há uma alternativa mais barata para contornar o "risco sistêmico".
Existem pelo menos dois custos embutidos na forma como o Banco Nacional foi socorrido.
Um é o de abrir uma comporta de dinheiro, via Proer, que é, por definição, ilimitada.
O BC aceita assumir a parte podre do banco e cobrir qualquer diferença entre os ativos e os passivos. Se todos os ativos forem podres ou falsos, paciência.
O outro custo é o de eliminar o risco no mercado financeiro.
O depositante pequeno ou médio no Econômico e no Nacional podia desconhecer inteiramente a situação real dos bancos.
O grande investidor e os outros bancos que forneciam dinheiro a ele no interbancário, contudo, sabiam, ou deveriam saber.
Colocavam seu dinheiro, mesmo assim, por uma razão: como bancos quase falidos, o Econômico e o Nacional aceitavam pagar juros muito mais altos do que os outros.
O mesmo vale para os investidores externos que compraram eurobônus ou certificados de depósito destes bancos. Embolsaram juros muito acima da média, sabendo que, com isso, assumiam um risco.
Se o BC sinaliza que este risco, na prática, não existe, não está só criando uma ineficiência no mercado. Está premiando a delinquência e ajudando a perpetuá-la.
Será que para evitar o "risco sistêmico" o Banco Central tem de reembolsar até o último centavo de todo mundo? Em vários países desenvolvidos, o seguro de depósito até um valor razoável desempenha esse papel.
Quando alguém coloca seu dinheiro num banco sabe exatamente quanto envolve o risco de perda. Investidores mais sofisticados usam seu julgamento para decidir até onde estão dispostos a trocar segurança por rentabilidade.
O banco incompetente ou desonesto, por sua vez, diminui suas chances de sobrevida tomando dinheiro alheio.
Junto com o Proer, surgiu um seguro-depósito até R$ 20 mil. É o suficiente, segundo o ministro da Fazenda, Pedro Malan, para cobrir mais de 90% dos depósitos bancários no País.
Não seria o suficiente para evitar uma corrida que trouxesse um "risco sistêmico"?

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