São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
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Leia o discurso feito por FHC em Belo Horizonte

Leia a seguir o discurso de FHC:

Eu queria, hoje, começar fazendo algumas homenagens. Não é o meu estilo, mas há dias que realmente requerem uma atitude de respeito àqueles que lutam para a modificação do Brasil no caminho da democracia e no caminho de uma maior consciência cívica que depende da educação. Começo por Minas Gerais.
Lembrou o ministro José Serra, que foi aqui de Minas, que eu comecei uma caminhada para chegar à Presidência da República. Isso é um fato partidário e pessoal, mas Minas tem raízes anteriores a isso nesta área e na área do respeito que o Brasil tributa a Minas, e é difícil escolher, quando se pensa em homenagear Minas, a quem homenagear, a quem simbolizar, tantos são os símbolos grandiosos de Minas.
Eu me permitiria dizer que o slogan do governador, "O futuro é mineiro", o futuro é brasileiro. É mineiro e é brasileiro. E o futuro está presente através do governador Eduardo Azeredo, que nos brindou com um discurso cheio de conteúdo.
Mas eu gostaria de fazer algumas outras menções mineiras neste dias. Hoje, se estivesse vivo, completaria, creio eu, que 86 anos, um grande brasileiro que nasceu em Minas. Eu rendo a ele minhas homenagens, que eu tenho certeza que se ele estivesse no exercício da Presidência, se tivesse tido a chance, teria enveredado pelos caminhos da educação: Tancredo Neves.
É assim como o governador Eduardo Azeredo, ao mencionar o esforço que está fazendo, não se esqueceu de que esse esforço não começou hoje, eu gostaria de dizer que também o que nós estamos fazendo tem antecedentes, tem vários antecedentes. Alguns mais remotos aos quais já me referirei, mas eu seria injusto se não mencionasse a ação no Ministério da Educação e no governo do presidente Itamar Franco. Sobretudo na descentralização que o ministro Hingel levou adiante.
Mas eu gostaria de ir além. Eu gostaria de me recordar que outros mais remotos, e quando eu recebi aqui hoje este manifesto que diz "a Nação convocada", e é um manifesto, eu li os nomes que o assinam, muito amplo, com a participação de vários setores da sociedade, várias filiações filosóficas, partidárias, eu me recordei de outras eras mais antigas, nas quais havia batalhadores pela educação e que não puderam nunca dizer o que está dito aqui, "a Nação convocada". Eles diziam: manifesto à Nação, eu convoco a Nação, nós convocamos a Nação. A Nação ainda não estava convocada. Mudou. E eu me recordo de Anisio Teixeira, me recordo de Fernando Azeredo, me recordo de Florestan Fernandes, me recordo de um conjunto de brasileiros que dedicaram muito de suas vidas para que um dia nós pudéssemos ter a Nação convocada, para que um dia o problema da educação deixasse de ser apenas dos educadores, um punhado deles. Quantas vezes em campanha pelo ensino básico, pela escola pública, nós no juntamos todos nessas lutas, mas era alguma coisa que ainda ficava restrita ao âmbito da universidade, ao âmbito da escola primária e secundária, ao âmbito dos pedagogos e educadores para poderem, aqueles que assim procediam, assistir o que nós assistimos hoje, é a Nação inteira convocada.
O "Desperta, Brasil, é hora da educação, é hora da escola" é uma realidade. E ao dizer isso, depois de ter mencionado alguns e alguns apenas, daqueles que tanto lutaram no Brasil para que o Brasil avançasse na área educacional, eu tenho que fazer um agradecimento muito especial aos governadores que aqui estão. São muitos governadores, de várias partes do Brasil, de várias afiliações. Talvez aquele que me tenha entusiasmado de início para que enveredasse com mais ênfase na educação tenha sido o governador Cristovam Buarque, que aqui está presente, que é de Brasília. Não foi o único.
Eu já vi na Granja do Torto, quando nós nos reunimos há algum tempo para discutir educação, a presença maciça dos governadores e, agora, outra vez aqui. Isso é um fato inédito, é um fato inédito que nós estamos todos juntos pensando no país, unidos por valores, unidos pela democracia, para fazer com que haja uma melhor participação na sociedade, para que a educação não seja privilégio e para que, efetivamente, nós possamos, em conjunto, amar para mudar o Brasil.
Eu agradeço aos governadores e sei, porque sei de perto, o quanto eles têm lutado. E olho para o governador de São Paulo e já o vejo aí, e sinto as dificuldades que ele está enfrentando. E me lembro na Bahia, em Santa Maria da Vitória, quando, para mostrar ao Brasil que educação é prioridade mesmo, eu fui para Santa Maria da Vitória, lá estava o governador, dar uma aula numa escola primária, para mostrar que a coisa fundamental é o ensino de base.
E esses governadores que aqui estão são governadores que estão desempenhando os seus cargos em momento de transição do Brasil, lutando contra muita dificuldade. Dificuldade financeira, incompreensão corporativista, clientelismo, má compreensão, muitas vezes, mesmo nas áreas políticas e sofrendo as críticas, às vezes as mais superficiais, por aqueles que são, como disse o governador Eduardo Azeredo, os profetas, os torcedores do caos. Mas não ganham. O Brasil já esteve na beira do abismo tanto tempo, que ninguém acredita mais nisso, é muitíssimo maior que qualquer abismo, porque tem um povo grandioso.
E tem governadores como esses que aqui estão, aos quais eu agradeço sinceramente a presença aqui, o apoio que estão dando e a maneira como estão enfrentando esses momentos de mudança do Brasil. Cada um naturalmente terá sua circunstância, e não será o presidente a fazer qualquer reparo contra a circunstância, que naturalmente o presidente tem que entender, mas eu devo dizer de público ao Brasil: temos contado, os brasileiros, com um grupo excepcional de governadores. E disse aqui o ministro Paulo Renato: que hoje a ação educativa não pode ser mais pensada como a ação apenas no nível federal, não pode também só no nível estadual. A base, sobretudo a escola primária, está no município.
Eu agradeço aos prefeitos que aqui estão, e sei também que há muitos prefeitos dando exemplos de modificação de mentalidade. Nós estamos de fato mudando o Brasil.
Li recentemente, ouvi referência pela imprensa, melhor dito, um relatório do Banco Mundial, onde se dizia o que nós já sabemos, que nós já dissemos sempre, que o problema hoje não é só de recursos, não é tanto de recursos quanto da boa aplicação desses recursos, e que o fundamental hoje seria fazer com que os recursos da área social que, frequentemente, em forma desigual, vão para as camadas mais ricas, pois passassem a ir para as camadas mais pobres. É o que nós estamos fazendo e só podemos fazê-lo, porque temos governadores, secretários de Educação e prefeitos, em nível municipal, e professores e diretores de escola que entenderam o processo, e pais de alunos e que estão mudando o Brasil.
Nós estamos, sem demagogia, quebrando as leis do clientelismo, com o apoio dos políticos. Isso é novo no Brasil. E eu também quero prestar agora, aqui, um depoimento. O ministro Paulo Renato, no seu afã extraordinário de dar um rumo democrático, vigoroso à educação no Brasil, contou com o apoio do Congresso Nacional. E eu seria injusto se não mencionasse pelo menos dois nomes além do de Florestan Fernandes, que já mencionei, daqueles que antes e outros ainda hoje no Congresso estão nos ajudando nesta nova visão.
No passado, há um homem que hoje está fora das lides parlamentares, mas eu quero mencioná-lo, porque sempre foi símbolo da escola primária, que é o João Calmon, e que muitas vezes, até mesmo contrariando a boa técnica orçamentária, forçava a que nós iluminássemos a questão educacional. Mas há um outro.
Aqui eu quero render uma homenagem muito particular, porque sem sua ajuda nós não teríamos podido fazer o que foi feito ultimamente, que foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que foi aprovada no Senado. É uma pessoa à qual o Brasil muito deve, que se chama Darcy Ribeiro. Mineiro também, brasileiro como todos nós, homem de uma fibra extraordinária e que teve a capacidade que é fundamental de não envelhecer. Em qualquer aspecto. Físico, porque luta e luta até mais (...) para manter-se ativo.
Mas talvez por causa de uma outra luta que ele tem, que ele trava, ele que tem um espírito jovem e que não se deixa curvar por interesses menores, ou qualquer interesse corporativo que quer incrustar na Lei de Diretrizes e Bases, aquilo que pode parecer às vezes uma vantagem, mas é uma vantagem que é feita não para o conjunto, e em detrimento do conjunto. E Darcy nos ajudou a fazer uma Lei de Diretrizes e Bases, que permite efetivamente uma educação moderna e avançada para todo o Brasil.
O Congresso ajudou, e eu agradeço ao Congresso. E quero dizer que vejo aqui líderes empresariais e ouvi o que disse o ministro Paulo Paiva e o ministro José Serra com tanta propriedade sobre a natureza do desafio que nós estamos enfrentando hoje na área educacional. E que, se não fosse a ação conjunta também com os empresários, nós não iríamos ter forças suficientes para fazer aquilo que é o óbvio. E o óbvio é fácil de dizer, mas às vezes é muito difícil de ser transformado numa coisa que o deixe à margem, o que já foi feito.
Era tão simples e não se fez. Pois bem. Muito simples, parece, fazer o que nós estamos nos propondo e fazendo já, mas nós não faremos senão com a ajuda também dos empresários, também dos sindicatos e, sobretudo, do conjunto da sociedade civil.
Não é fácil, eu sei disso, mas nós estamos fazendo. Quando tomei posse diante do Congresso Nacional, eu disse que não teria temor de colocar a mão em vespeiro. Algumas abelhas me picam, às vezes são até marimbondos, mas nós sabíamos que seria assim.
Nós sabíamos que seria assim, e nunca nos restringiu o temor das dificuldades. Eu disse uma outra coisa naquele momento. Eu disse também que não cederia ao interesse particular, que ficaria sempre com a maioria. Muitas vezes o interesse particular grita na porta, mas eu tenho que pensar não em quem está gritando na porta, eu tenho que pensar na maioria do Brasil, que qualquer decisão que o governo tome vai ter repercussão. Não para aqueles que eventualmente se organizam para pedir algo, pode ser até justo, e aí será atendido, mas as repercussões têm que ser medidas. É verdade, colocamos a mão em muitos vespeiros.
A herança é pesada. Não é de uma pessoa, não é de um governo, não acuso ninguém. É da nossa sociedade. Ela se distorceu tanto. Veja ainda agora no sistema financeiro. O governo não hesitou. Que governo é esse que teria não hesitado? Qual não hesitou? Quem enfrentou, depois de ter controlado a inflação, a necessidade de ir mais fundo para criar condições para que o futuro também seja mais próspero?
E a Previdência. Acaso isso vai beneficiar o governo atual? De forma nenhuma. As mudanças que estão sendo propostas terão efeito no futuro. Nem por isso nós deixamos de estar com tanto ardor, discutindo, apoiando e pedindo e contribuindo, dentro das nossas limitações, mas com muita energia, para que o Brasil se transforme.
Citei dois exemplos, citaria muitos outros e muitas vezes se confunde, e se pensa que problemas atuais que o governo está mostrando, trazendo à luz, mostrando: olha aqui, está podre. E dizendo: eu não entro nessa podridão, eu vou corrigi-la. Alguns, os mesmos de sempre, procuram fazer crer ao país que são problemas deste governo. Não.
Este governo não teve foi o receio de enfrentar os problemas, por mais delicados que eles venham ser e até mesmo por mais doídos no coração de cada um de nós. Enfrentamos. Enfrentamos não com arrogância, não com a pretensão de imaginar que nós sabemos as soluções ou que não temos nenhuma responsabilidade porque somos governo. Assumimos as que temos. Enfrentamos discutindo, negociando e levando ao Congresso. E essa é a novidade do Brasil.
E ao ouvir agora, hoje, aqui, o discurso do ministro Paulo Renato e o discurso do governador Eduardo Azeredo e o discurso do ministro Serra, ministro Paulo Paiva, vê-se que há outro tom. Nós não precisamos alçar a voz, nós não precisamos da demagogia, nada disso. Bastam a compreensão da situação, a sua exposição clara e a definição do rumo para que ela mude. Isso é um novo Brasil, não é o tom de voz, não são os alto-falantes, não são nem os apitos, nada. O que muda é a cabeça, o que muda é o coração, o que muda é a firmeza e a sinceridade.
Eu devo lhes dizer que tenho muita satisfação de, ao olhar em torno do meu ministério e ver quase todos os professores, quase todos, gente que conhece a realidade do ensino, a realidade da vida e que sabe que o professor, para poder olhar o aluno, para poder encarar sua platéia com tranquilidade, tem que ser decente.
É gente simples, é gente honesta, e isso é algo também novo. Não vem deste governo, não temos nenhuma exclusividade nessa matéria, mas nos orgulhamos de dizer, é um governo decente, composto por gente honesta, apoiada por gente decente como os que aqui estão para fazer um Brasil sério para o povo brasileiro. E isso muda. Isso muda e muda muito. É por isso que nós não temos o que esconder, é por isso que nós não tememos arreganho algum.
É por isso que só há uma instrução dada aos ministros e àqueles que trabalham comigo. Digam as coisas, debatam, argumentem, lutem. Não se encolham ao primeiro grito. O grito não significa razão. E, no mundo de hoje, ou se tem argumento, ou o grito se perde. Não é um clamor, não é uma exigência profunda, é um arreganho, é um desespero que às vezes ocorre num ou noutro, um destempero que não cabe a nós entrarmos no destempero. Cabe a nós o contrário, seguirmos o nosso caminho que é o caminho do convencimento, do argumento, da razão e da democracia. E para isso a educação é fundamental.
Eu não vou repetir o que já foi dito, o que nós nos propusemos a fazer estamos fazendo, são coisas palpáveis na educação brasileira. Os efeitos são de longo prazo, mas quem pensar só nos efeitos para o seu mandato se exaure buscando glória e vai encontrar dissabores. Não é nisso que nós temos que pensar, nós temos que pensar, se eu posso, se me permite dizer alguma coisa talvez um pouco pomposa, é na história. Não é na história pessoal de cada um de nós não, é na história deste país e desse povo que merece muito. Nós temos que fazer, tomar cada decisão nossa, pensando no que vai acontecer nas gerações futuras. E já começa a acontecer, já começa a acontecer, e muitas vezes os números que são apresentados são números do passado que não foram atualizados e, muitas vezes, aquilo que ainda dizem, que ainda ecoa são restos de vozes que já estão eclipsadas e não têm mais sentido algum.
Já se percebe que, hoje, o Brasil é um país e, quando vai aos foros internacionais, tem o que dizer, tem o que apresentar. Não tem nenhum receio de que houve erros e que há erros. Vamos mudar os erros e vamos nos empenhar por isso. É por isso que estamos granjeando respeito.
Não somos nem melhores nem piores que ninguém, mas nós queremos ser o que somos, com muita firmeza: um país que realmente tem futuro.
O futuro é o Brasil.
Eu agradeço a vocês, e muito.

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