São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Quem tem o que temer

JANIO DE FREITAS

Toda a atividade do governo e de Fernando Henrique Cardoso pessoalmente, nestes dias em que o caso do Nacional revela um escândalo de proteção paternal com bilhões públicos, está aplicada, não na prometida transparência, mas em bloquear mais revelações e soterrar com falsidades as já feitas à revelia do presidente e do governo.
O treinamento, verdadeira lavagem cerebral, a que Gustavo Loyola foi submetido por governistas nos últimos dois dias dá bem a medida do temor de que o presidente do Banco Central diga no Congresso, hoje, o que Fernando Henrique e seu círculo íntimo querem escondido. É óbvio que tal empenho só se justifica por coisas muito graves a negar, umas, e outras a esconder.
A lavagem cerebral pode evitar, por exemplo, que Loyola repita, perante os parlamentares, que Fernando Henrique estava informado de tudo sobre o Nacional desde outubro. Mas tanto faz que repita ou não, porque sua palavras anteriores ficaram registradas. E ainda porque as evidências são mais fortes do que palavras.
As evidências escorrem, incontíveis, entre os jorros de falsificações. A palavra de ordem para o jornalismo de proteção ao governo é propagar, entre outras coisas, tudo o que negue a informação dada por Loyola. Ou seja, Fernando Henrique, em outubro, apenas "ouviu falar" de problemas no Nacional, como todo mundo. De repente, algo extravasa:
"O momento mais perigoso para o real, segundo o presidente, ocorreu em outubro, quando ficou clara a falência do Nacional. O Brasil não soube, mas em outubro o Plano Real esteve seriamente ameaçado. Se não houvesse uma solução rápida, que acabou sendo a incorporação do Nacional pelo Unibanco, o resultado certamente teria sido uma quebradeira geral".
Todo um enorme arranjo de supostos argumentos, em defesa dos bilhões dados aos donos do Nacional, cai na verdade que queria negar. Se em outubro houve o socorro ao Nacional "para salvar" o real, em outubro Fernando Henrique sabia o que nega sobre o Nacional, e que Loyola contou. As verdades só saem deste governo assim: por inadvertência.
O vale-tudo que Fernando Henrique está comandando no Congresso, para que não haja a CPI dos bancos, tem razão de ser. Ninguém batalha assim contra as possíveis descobertas de uma CPI sem saber o que pode ser descoberto. A CPI do caso Collor/PC, com seus acasos e inesperados, ensinou muito a quem tem o que temer.
Os dois casos não são comparáveis, é claro. A mulher do filho de Fernando Henrique é sócia do Nacional, mas não é sócia do presidente, diferentemente da relação Collor/PC. No aspecto financeiro, estima-se que Collor, PC e os demais tenham levado uns 2 bilhões. Os sócios do Nacional já levaram da generosidade presidencial quase 6 bilhões. E, diferença talvez mais importante, os bilhões atribuídos a Collor e PC não saíram dos cofres públicos para eles.

Texto Anterior: 'Não hesitei', afirma FHC
Próximo Texto: ACM ameaça levar dossiês contra Gustavo Loyola
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.