São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
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Duras temia fascismo mais que a morte

DO "CORRIERE DELLA SERA"; DAS AGÊNCIAS INTERNACIONAIS

A escritora francesa Marguerite Duras, morta no último domingo, aos 81, recebeu homenagens de algumas personalidades francesas, que se pronunciaram ontem. O primeiro-ministro, Alain Juppé, declarou que ela era "uma grande escritora cujo estilo magnífico e desordenado, símbolo do novo romance, comoveu a literatura contemporânea mundial."
Leia a seguir trechos de uma de suas últimas entrevistas, dada ao jornal italiano "Corriere della Sera".
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Pergunta - Como a senhora vê o futuro político da Europa?
Duras - A Alemanha me causa desconfiança. Quer impor suas leis. Não amo os alemães. Não posso. Não esqueço a guerra, não esqueço os judeus. O povo alemão se jogou nos braços do nazismo. Quantos judeus foram sacrificados? Os alemães sabiam. Não perdoarei jamais.
Pergunta - Eles ainda lhe dão medo?
Duras - Por que, o senhor não tem medo? Os alemães me causam medo até que exista um Estado alemão. Felizmente existe a economia que os freia um pouco. Eles têm de relacionar-se com outros Estados. A Alemanha é um país sem graça, sem charme. Tem só a música.
Pergunta - É uma pena que a senhora não tenha ganho o Nobel.
Duras - Cheguei perto. E depois, no fundo, sou um Nobel ambulante, um nobel Benetton.
Pergunta - E a Itália?
Duras - Amava-a muito, muitíssimo. Agora estou como que afastada. O senhor dirá: a Itália está fazendo limpeza. Os juízes... Em geral não tenho muita confiança nos juízos. Tenho a sensação que a Itália não é mais a Itália. E agora, a França, como vai ficar? A Itália era sua melhor amiga. Eu vivia na Itália como na França, não notava nenhuma diferença. Todos os anos visitava Vittorini...
Pergunta - A Itália está diferente?
Duras - Uma mentalidade equivocada, uma mentalidade que muda até mesmo em confronto com os franceses. Os italianos tornaram-se anti-franceses...
Pergunta - Talvez os italianos tenham se tornado só cínicos.
Duras - Então, digamos que não sei mais onde estão os italianos. Perderam-se como numa floresta. Não têm mais o seu país. Acabou o seu encantamento. Quando fiquei sabendo que no Parlamento italiano sentava um tipo ligado à máfia fiquei transtornada. Como se chama? Ah! Andreotti. É desgostoso. Agora, amo a França e quero conhecê-la a fundo. Mas o meu amante não quer viajar.
Pergunta - A senhora tem medo da morte?
Duras - Eu tenho medo somente do fascismo.

Tradução de Anastasia Campanerut

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