São Paulo, terça-feira, 5 de março de 1996
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A crise da teimosia

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Há, no próprio governo, quem desconfie que a tal crise sistêmica (do sistema financeiro) pode ocorrer em decorrência da ação do próprio governo. Ou, mais exatamente, da teimosia em manter os juros abusivamente elevados.
O raciocínio é o seguinte: hoje, em decorrência do altíssimo custo do dinheiro, há um punhado de empresas que não estão conseguindo saldar seus débitos junto ao sistema financeiro. É claro que, entre elas, estão companhias ineficientes, mas há também as perfeitamente sadias que, não obstante, sentem falta de oxigênio (liquidez, no jargão do mercado, ou dinheiro em bom português).
Se tais empresas não pagarem o que devem aos bancos, alguns deles podem se ver em dificuldades, mesmo que não tenham praticado fraude ou irregularidade alguma.
Fecha-se o círculo assim: qualquer banco de médio ou grande porte que venha a ter dificuldades vai causar pânico na praça, desatando o risco da tal crise sistêmica. Ainda mais no ambiente rarefeito que se criou a partir dos episódios Econômico e Nacional.
O próprio presidente da República concorda que "é necessário fazer alguma coisa", frase que disse, ainda em janeiro, ao mais recente interlocutor que lhe apresentou o problema dos juros.
A própria equipe econômica deu demonstrações de que também está de acordo com a tese quando, no final do ano passado, anunciou um relaxamento dos compulsórios como o melhor caminho para que se reduzissem os juros. Mas foi um relaxamento insuficiente.
Tem-se portanto um cenário em que todo mundo que manda está de acordo em que "é necessário fazer alguma coisa", para usar expressão do próprio presidente, mas em que ninguém faz coisa alguma. Ou, pelo menos, não o faz na medida das necessidades.
Seria engraçado, não fosse trágico, que venha a ocorrer por teimosia a tal crise sistêmica (ainda que numa versão branda), que o governo diz pretender evitar, ao despejar recursos no programa de auxílio às fusões bancárias. Ou até antes, se no seu depoimento de hoje ao Congresso o presidente do Banco Central, Gustavo Loyola, der algum escorregão.

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