São Paulo, sexta-feira, 22 de março de 1996
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Rótulo de Balthus sofre censura

JORGE CARRARA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O protesto de um grupo californiano pode ter transformado a edição 93 do Chateau Mouton-Rothschild numa raridade: será o primeiro "cru" de Bordeaux (renomada região do sudoeste da França) a ter dois rótulos diferentes para a mesma safra.
Os rótulos do Mouton -considerado um dos melhores tintos do mundo- são ilustrados a cada ano por um artista diferente.
O responsável pelo design de 93 foi o conde Balthazar Klossowski de Rola, mais conhecido como Balthus, de 88 anos, que escolheu como tema central um de seus temas preferidos, uma adolescente nua (o outro tema são os gatos).
Apesar da nudez, o rótulo foi aprovado para ser utilizado nos EUA pelo Bureau of Alcohol, Tobacco and Firearms, uma agência governamental que no passado já barrou outras etiquetas por expor minúsculas porções de beleza feminina.
Mas em dezembro, segundo a revista norte-americana "Wine Spectator", um grupo autodenominado "Time de Resposta ao Assalto Sexual" escreveu ao Bureau solicitando o cancelamento da autorização por considerar que o desenho não era apropriado.
No mesmo mês, Mouton-Rothschild tomou a iniciativa e solicitou que a agência americana anulasse a aprovação. Uma nova etiqueta -com um espaço em branco substituindo o desenho- vestirá as garrafas das quatro mil caixas que desembarcarão nos EUA.
"Fiquei atônita com a reação", declarou a baronesa Philippine de Rothschild, atual dona do Chateau. "Acho incrível que alguém possa olhar para aquela jovem no rótulo e pensar em sexo ou imaginar que eu tentaria usar a sexualidade de uma adolescente para vender vinho", queixou-se.
Localizado na comuna de Pauillac, no coração da região de Bordeaux, Mouton está nas mãos da família Rotschild desde 1853, quando o Barão Natanniel de Rothschild comprou a propriedade. Mas foi o seu neto, o Barão Philippe -pai de Philippine- que assumiu o comando da propriedade, que instituiu em 1945 o costume de convidar um artista a cada ano para decorar as etiquetas do Mouton.
Elas já foram assinadas por nomes como Braque, Kandinsky, Chagall, Warhol, Dalí, Picasso e Miró.
No Brasil, na opinião do arquiteto Miguel Juliano, proprietário da Maison du Vin, tradicional importadora dos Mouton, a etiqueta da versão 93 não deve ter problemas de interpretação.
Quanto às garrafas com os rótulos sem o desenho, originalmente destinadas ao mercado americano, e que inevitavelmente se converterão em cobiçado objeto de coleção ao redor do mundo, Juliano confessa que a Maison "vai tentar importar algumas".
Na sua avaliação, porém, os Mouton com a nova roupagem podem ter um preço superior aos ilustrados por Balthus por serem "uma espécie de série especial".
Com o incidente, Mouton-Rothschild adiciona mais uma à sua longa lista de peculiaridades. Acredita-se que a propriedade tenha sido a primeira a ser plantada com Cabernet Sauvignon, uva que hoje alicerça os melhores vinhos da região.
Ele é o único cru que foi promovido de categoria na história de Bordeaux (após ter sido classificado como "deuxiéme cru" em 1855, subiu para o nível máximo, "premiér", em 1973) e o único a mudar de rótulo todos os anos.
Era também a única das propriedades da restrita elite bordalesa que não contava com um segundo vinho -exemplares de qualidade com preços mais em conta nascidos de videiras mais jovens.
Agora será a última a tê-lo já que em 96 estréia a primeira versão do seu segundo vinho, safra 93, batizado como "Le Second Vin de Mouton-Rothschild".

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