São Paulo, sábado, 23 de março de 1996
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Tempo de conversão

LUCIANO MENDES DE ALMEIDA

Os 40 dias que preparam a celebração da Páscoa são destinados à conversão interior que está na raiz da santificação pessoal e da transformação da nossa sociedade.
Neste ano, a Campanha da Fraternidade abre longas perspectivas para compreendermos melhor o compromisso político do cristão e, portanto, o dever de contribuir para a promoção do bem comum. Quem de nós não percebe a urgência de erradicarmos a fome e a miséria que atormentam milhões de empobrecidos?
É preciso, quanto antes, o empenho de todos para corrigir a corrupção, a degradação moral, o comércio e a dependência da droga, a violência e a impunidade.
Nesse sentido, as comunidades têm se reunido para refletir e orar, procurando assumir a grave responsabilidade de renovar a vida política com os valores evangélicos, do respeito à dignidade de todos e da solidariedade fraterna. Essa tarefa está apenas começando a seguir um longo processo de conversão.
No entanto, esse espaço crescente para intensificar as exigências políticas de nossa vocação cristã deve ser sustentado por três atitudes, que desde as primeiras comunidades marcam o tempo da Quaresma: a oração, o jejum e a esmola.
A oração é o recurso a Deus humilde e confiante. Nasce da Sagrada Escritura, lida com fé e meditada, que penetra, aos poucos, as atividades do dia, num diálogo constante com Deus. A oração nos ilumina e dá força interior para superar as dificuldades e fazer o bem.
A ação política requer discernimento nas situações concretas, disponibilidade para servir, especialmente aos excluídos. Isso supõe renúncia a vantagens pessoais e abertura às necessidades do próximo. Por isso, várias comunidades, nestas semanas, reúnem-se para dias de retiro e tempos maiores de oração.
O segundo exercício que caracteriza a preparação da Páscoa é o jejum. Não se trata apenas de reduzir um pouco a alimentação. Jejum é todo empenho para dominar as más inclinações e alcançar a correção das próprias faltas: a libertação da dependência do álcool e da droga, a temperança, o controle da irascibilidade, o domínio das paixões, até os gestos mais difíceis do perdão recíproco e de plena reconciliação, especialmente, na vida conjugal e familiar.
A oração e o jejum se completam na esmola, entendida como partilha fraterna e prova de solidariedade. A esmola, mais do que a pequena oferta de comiseração pelos carentes, é para o cristão a atitude consciente de quem sabe se privar até de bens necessários para ajudar, com discrição e generosidade, os que mais precisam. Essa esmola atrai as bênçãos de Deus, que perdoa as nossas faltas.
Neste tempo em que o desemprego e a pobreza martirizam tantas famílias, não será a ocasião de partilharmos com os mais necessitados os recursos, embora módicos, de que dispomos?
Podemos, ainda, oferecer o nosso tempo ao lado de doentes, idosos, portadores de deficiência ou auxiliando nos serviços de horta comunitária, mutirão de moradia, atendimento a migrantes e visita aos encarcerados e cursos de alfabetização.
Confiante em Deus pela oração, resistindo às más inclinações e vencendo-as pelo jejum, seremos capazes de caminhar juntos na vivência da solidariedade fraterna e do compromisso político. Então, justiça e paz hão de se abraçar.

D. Luciano Mendes de Almeida escreve aos sábados nesta coluna.

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