São Paulo, segunda-feira, 25 de março de 1996
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Crise lança igreja contra Menem

DENISE CHRISPIM MARIN
DE BUENOS AIRES

A taxa recorde de desemprego de 18,4%, em maio passado, foi o estopim de uma disputa entre os bispos católicos argentinos e o presidente do país, Carlos Menem.
Desde que o percentual foi anunciado pelo próprio governo, a igreja concentrou seus ataques contra a política econômica e tomou a defesa dos argentinos empobrecidos.
Ao mesmo tempo, disparou contra a corrupção no governo e também contra um dos temas favoritos do presidente argentino -a defesa da pena de morte para crimes hediondos e narcotráfico.
O "atrevimento" da igreja -principalmente ao cobrar uma política de combate ao desemprego e à pobreza- desagradou Menem.
No final do ano passado, o presidente perdeu o braço-de-ferro com os bispos quando o papa João Paulo 2º declarou publicamente sua preocupação com o aumento do desemprego na Argentina.
No último dia de fevereiro, Menem foi à forra. Qualificou os bispos Justo Laguna e Miguel Hesayne de "idiotas e hipócritas".
Eles haviam ironizado o ministro Domingo Cavallo, chamado de "herói" pelo secretário de Estado norte-americano Warren Christopher. "Herói é quem alimenta os pobres", afirmaram os bispos.
Duas semanas depois, Menem ratificou suas acusações e declarou que tinha "pena e lástima" por dom Justo, um bispo que "não conhece os ensinamentos de Jesus".
Na última quarta-feira, a Secretaria de Desenvolvimento Social, que é subordinada à Presidência da Nação, divulgou que o governo destinou US$ 7,74 milhões às obras assistenciais da igreja.
Menem enviou emissários para negociar um encontro com os bispos para suavizar a tensão gerada.
Aliados
Afinal de contas, o catolicismo continua sendo a religião oficial do país e opção confessa de 90% dos argentinos.
O comportamento atual da igreja não deixa de causar surpresa. Os bispos argentinos mantiveram-se quase sempre aliados ao poder -fosse qual fosse sua tendência.
Chegaram até mesmo a ser coniventes com os abusos políticos dos governantes militares, entre 1976 e 1983, e com a prática de tortura e desaparecimento de opositores aplicada nesse período.
No ano passado, ensaiaram um "mea-culpa". Mas, de fato, não assumiram responsabilidade ao apoio ou à omissão diante dos crimes contra os direitos humanos.
A virada no pensamento da igreja responde, em parte, ao avanço das seitas pentecostais locais e estrangeiras entre as comunidades mais carentes do país.
A Igreja Universal do Reino de Deus instalou 34 templos no país. Outra seita pentecostal brasileira, a Deus É Amor, já conta com 21.
Há ainda dezenas de seitas eletrônicas locais tão fortes quanto a religião de Edir Macedo, como a Onda de Amor e de Paz.
Ocorre que é o governo quem controla a instalação e expansão das seitas não-católicas no país, por meio do Ministério das Relações Exteriores e Culto.
Também pesa nesta rusga o fato de que o governo vem tentando podar as investidas da igreja sobre questões políticas e institucionais.
A reforma constitucional de 1994, conduzida por Eduardo Menem (irmão do presidente), tornou possível a um cidadão não-católico candidatar-se à Presidência.
(DCM)

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