São Paulo, segunda-feira, 25 de março de 1996
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Indigestão

JOSIAS DE SOUZA

São Paulo - Abro a Folha de ontem e dou de cara com o salário de Salete Martins de Menezes. Professora no sertão da Bahia, ela ganha R$ 23 por mês.
Bateu-me um sentimento de culpa. Lembrei-me que, quatro dias antes, havia jantado no Massimo, restaurante chique de São Paulo.
Estava entre amigos. Rachamos a conta. Paguei a minha parte e a de minha mulher -R$ 158, me informa o canhoto do cheque.
Eis a constatação que me corrói as entranhas: comemos e bebemos, eu e minha doce Liliane, mais de meio ano de salário da professora baiana.
Estávamos em seis na mesa. Minto. Éramos sete. Tudo contabilizado, desembolsamos R$ 553. Ou dois anos de vencimentos de Salete.
Falo da professora baiana porque seu caso é, por assim dizer, mais aterrador. Mas aqui mesmo, na Paulicéia, há professores ganhando salários de fome; entre R$ 200 e R$ 300.
Junto com o contracheque estreita-se a qualidade do ensino. Deixo que Salete fale por mim: "Meu estudo é pouco, não nego". Estudou apenas um ano. E leciona para a 3ª série.
Devolva-se a palavra a Salete: "Não sei fazer prova nem preencher o diário de classe. Sei que um aluno aprendeu quando ele faz as mesmas coisas que eu".
Em 95, sob a administração do professor Cardoso, investiu-se menos na sala de aula do que em 94, último ano de Itamar Franco. A queda foi de 35,22%.
No Brasil do real, resfriado de banqueiro funciona como senha para a abertura de cofres públicos. O câncer do ensino, não.
Nosso subdesenvolvimento tem várias causas. O salário de Salete é uma delas. Ou mudamos isso ou, quando jantarmos fora, seremos sempre tomados pela sensação hedionda de estarmos devorando a dignidade do professor.

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